Permeabilidade

Ser impermeável; sonho das rochas que não flutuam.

Colar-se no chão de tal modo a fazer parte dele.

Deixar-se cobrir pelo lodo: lodo verde e escorregadio,

Onde os outros caem quando buscam apoio.

Ser impermeável como a luz, que a tudo permeia.

Sonho dos que não querem ter sonhos.

A luz não tem sonhos próprios; ela é a fonte dos sonhos dos outros,

E os outros só sonham quando são permeados pela luz.

Se é possível sonhar em ser impermeável;

Tem-se aí um paradoxo inconsolável,

Porque sonhar é estar permeado.

Quem quer ser impermeável não quer ser humano.

As rochas se deixam permear;

Os paus, os solos, os poros, os móveis, os asfaltos.

Tudo isto é permeado pela umidade — às vezes pelo vento.

O homem se permeia de algo a mais;

Quer fazer de sua alma uma rocha sem frestas

Uma rocha dura e inabalável,

Acha que pode viver a apatia das nuvens,

Mais solidão das estrelas e a aparente solidão dos eremitas.

Sua alma é todavia higroscópica e a tudo se deixa permear.

Reter o bem? Retém se puder.

Despejar o mal? É filtro perpétuo.