Roda viva

Há tempo de sobra para nascer e morrer nas coisas todas.

Sou apenas um homem

Seguindo pela calçada fria

vivendo e desvivendo o silêncio das pausas.

Há sempre um vão entre as casas

e todos os rostos que cruzo

me contam histórias esquecidas

tanta vida reprimida

numa casca de laranja.

Há sempre um ponto final que dá início a outros começos.

Deus sabe disto.

E os anjos julgam guardar o segredo

que os homens trazem sobre a pele.

Porque vivem.

Há sempre uma xícara de café sobre a mesa

e um homem preto contando histórias das senzalas

E o que os olhos não viram,

sussurram teus ancestrais.

E já são tantas idas e vindas de uma alma que já não pode morrer

E já não poder morrer já é toda a verdade sobre as almas.

Há sempre uma pedra no caminho,

um corredor fazendo cotovelo

uma tabacaria de esquina

a ensinar que todos os poetas são homens apenas

e que todos os homens são crianças descalças.

E quando você puder se fazer menino outra vez

Olha bem o caminho de Deus,

olha bem o jardim de Deus que

nunca parou de criar.

Nada sei do magnetismo das mãos de Deus

mas agradeço o sol, agradeço a lua.

No amor aprendi a abandonar o traje de ser e possuir.

Pois não possuo coisa alguma.

No amor aprendi a perdoar-me

e no ir e vir das coisas belas e profundas

já não sou quem fui

e já não sei quem era.

Um menino preto guia essa minha estadia embaixo do sol.

De madrugada ele sussurra em meus sonhos

ele brinca em meus sonhos

beija a minha face e me acorda.

E quando morri na primeira vez

tudo não passou de um sonho.

Acordei com o silêncio atravessando os campos

e vi muitas crianças brincando no jardim de Deus

e o dia ardia sem ter sol.

E quando morri na segunda vez

tive que me despir diante de Deus

e confessei meus pecados todos

Ele me perdoou

e riu porque não havia nada a se perdoar.

E por eu estar ainda sujo de placenta

Deus voltou a banhar-me no rio da vida.

Por isso eu voltei.