Thereza
Ouço passos e vozes.
Gritos de horror ecoam.
Alucinação.
Ele fala ao meu ouvido,
recita textos intermináveis,
me conta histórias doídas,
muito sofrimento e morte.
Correntes...
Grilhões...
Vejo homens arrastando os pés.
Presos que saíram de batalhas,
faltando-lhes partes do corpo.
Entra na sala um morto.
Ele me olha sempre de cabeça baixa.
Diz que veio falar poesia.
Eu estranho.
Ele me olha e recita.
Pede que o escreva.
Queria falar com Thereza,
dizer a ela que a ama,
escrever-lhe versos,
talvez um livro.
Estiveram juntos nesta vida,
mãos dadas a passear...
Ele morreu, ela ficou,
Queria dizer a ela
de todo seu grande amor.
Falar o que nunca foi dito,
declamar poesia.
Faria uma canção pra ela,
mas antes o tempo faltou!
Ele queria dizer, Thereza,
mesmo que demore ainda,
um dia voltará a ser teu.
Ele saiu, o som emudeceu.
Mas ainda ouço as correntes.
São presos em calabouços.
Cantavam músicas, choravam...
ouviam-se seus gritos de dor.
Lamentos,
tantos lamentos...
Por um momento imóvel
fico a me perguntar:
por que ainda estão aqui,
esperando a vez pra falar?
Não conseguem deixar a existência,
algo ainda os prende.
Vagam perdidos por anos,
sem saber a quem pedir.
Correntes...
grilhões...
Ouço passos...
Ouço vozes...
Vejo rostos distintos na multidão...
gente morta vagando.
E ele falando ao meu ouvido:
— Temos que terminar este livro!
Discutimos assuntos diversos,
me explica teorias malucas,
me diz pra falar pra fulano
um recado direto de Deus.
É domingo.
Acordei com a alma inquieta...
Na porta do quarto, um santo.
Ele veio dizer que não o rezo.
Que é pra eu orar a São Jorge...
disse que Ogum veio ver-me,
que já não me ouve em oração.
Disse pra seguir em frente,
sempre com fé, esperança e caridade.
E que acabou a tormenta,
agora é tempo de paz!