VOZES DA GUERRA: Para além do bombardeio
Em algum lugar da Ucrânia...
O BOMBARDEIO
As explosões tinham recomeçado
todos já haviam ido embora
Fiquei só
Dentro do que sobrou em pé
Entre escombros, me escondi da noite
dos saqueadores, do frio
e do horror da guerra
Mas, naquela madrugada
tudo era diferente
não sabia ao certo explicar porque
As explosões cada vez mais perto
como algo que marchava
na minha direção
Pensei por um momento em correr
mas para onde?
correr na escuridão?
A guerra estava em toda parte
a dor havia tomado toda a cidade
Refleti que poderia ser
a minha hora, a minha vez
sim talvez terminaria ali
entre lembranças
memórias e bombas
cada vez mais perto ...
Na guerra, a destruição
começa dentro da gente
tudo desmorona
e a vida perde o sentido
Meus olhos
como duas janelas para o fim
A última explosão
fez tudo estremecer a minha volta
foi como se eu fosse partido ao meio
e depois apaguei
fiquei totalmente ausente da vida
e até de mim mesmo
O RESGATE
Não sei ao certo
por quanto tempo depois
sentia apenas
o cheiro da guerra
o frio e a escuridão
de uma longa madrugada
Passado mais um tempo
me senti transportado
recolhido (no que restou de mim)
e levado para longe, distante dali.
Quando retomei alguma consciência
não tinha fome, nem sede
Meus olhos nada viam
minha voz calada
apenas ouvia
e sentia que tinha um corpo limpo
sem dor física, vivo
deitado sobre uma cama macia
Assim mergulhava num sono profundo
que parecia não ter fim
Estava doente da alma
as bombas haviam silenciado lá fora
mas por dentro
deixaram muitas feridas
não silenciadas
Por vezes ouvia vozes distantes
ruídos de passos
sentia presenças por perto
cuidando de mim
O medo já havia desaparecido
meu coração com o tempo
foi acalmando
Meus períodos de consciência
eram mais frequentes
podia dizer que a esperança
me inundava
embora ainda não pudesse mover-me
pois não percebia meu corpo...
Por fim algo maravilhoso aconteceu
alguém se aproximou de mim
pude sentir suas mãos
em forma de conchas
tocando meu rosto
tocando meus olhos, demoradamente
aquilo aconteceu inúmeras vezes
e a cada vez sentia
que minha visão se abria mais e mais
Nada me era dito
apenas aquelas duas mãos
tratando meus olhos
Com o tempo
passei a esperar por elas
era como se tocassem também
o meu coração
as minhas memórias
as minhas dores
a minha alma
O REENCONTRO
Aos poucos comecei a ver
as primeiras luzes coloridas
que me envolviam
e que me devolviam à vida...
O quarto era todo branco
com uma grande janela aberta
para um céu e um sol de entardecer
Havia no ar um sentimento
de indescritível leveza
Ao adormecer novamente
logo me vi desperto
por aquelas mãos tocando meu rosto
Como um gesto de gratidão
toquei-as com minhas mãos
e uma voz suave
como algo que vinha de tão longe
e ao mesmo tempo de tão perto, disse-me:
- Filho, sou eu, sua mãe. Estive ao seu lado
desde sempre...
Fui tomado por extrema emoção
e inclinando-me para o lado
fitei seu rosto, rosado
muitos anos mais nova
do que quando partiu
Ali, sorrindo para mim
sem qualquer traço de dor
nenhuma marca da doença
que a tinha levado de nós
Ali ao seu lado
pude receber o abraço
mais aguardado
de todo minha vida
Conversamos muito
sobre tanta coisa
entre risos e lágrimas
Aquela agora jovem
enfermeira Anna
me devolveu a esperança
e a alegria do recomeço
e naquele pedacinho de céu
celebramos juntos o reencontro
de dois corações
separados pela dor
e que após tantos anos
foram novamente reunidos
pelo amor...
Dominick
Observação: relato recebido mediunicamente
em 7 de novembro de 2022 entre 2h30 à 3h30.
Claudio Lima
Foto: Raimond Klavins