ALMA INCOLOR
Deslizei sobre o mar
Tiraram-me de lá
Trazendo-me pra cá
Vontade minha não era
De vir para o lado de cá
Acho que enquanto vivo
Nunca mais vou voltar
Apesar de toda guerra
Que tinha na terra minha
Eu preferia a minha guerra
Onde liberdade eu tinha
Os meus inimigos
Tinham tudo a mesma cor
Aqui ficamos amigos
Agora nossos inimigos
São diferentes na cor.
Moramos todos juntos
E agora somos muitos
Várias tribos, uma cor
Trouxe comigo a fé dos santos
Não conheço os daqui
Que todos são brancos
Diferentes de onde eu vim
Nada trouxe comigo
E também nada juntei
Faço aqui o que eu não quero
Sendo o que eu não sou também
Já passaram tantas luas
Que até parei de contar
Cada lua que eu contava
Era mais tempo pra ficar
Fui jogado sobre a terra
Pelas mãos de um capataz
Que de tanto me surrar
Fui e deixei o corpo ficar
Deixo aqui meu corpo velho
Que não me pertence mais
Visitarei a minha terra
Que deixei tempos atrás
Está tudo diferente
Como nunca antes vi
Deixo nela minhas saudades
Vou dela de novo parti
Fui pra uma nova terra
Que agora eu herdei
Por uma estrada livre de pedras
Que nunca antes pisei
Com as flores tão cheirosas
E nenhuma tem espinhos
Notei outros do meu lado
Não caminhava sozinho
Diante de um descampado
Onde a luz adormecia
Todos os pássaros cantavam
E a noite não existia
Tinha uma linda cachoeira
E mal pude acreditar
Os Orixás ali presentes
Todos a nos esperar
Eu com lágrimas nos olhos
Sem ter o que falar
Quando vi estava nos braços
De Nosso Pai Oxalá
Ele falou ao meu ouvido
Filho vamos trabalhar
Voltar pra aquela terra
Que te obrigaram a ficar
Para ajudar todos aqueles
Que te obrigaram a trabalhar
Te bateram e te prenderam
Não te deixaram descansar
Eu fiquei muito confuso
Não querendo acreditar
Como eu tão ofendido
Poderia ajudar
Aqueles que me tiraram a vida
E me enviaram para cá
Oxalá enternecido
Apertou as minhas mãos
Pude ver duas feridas
Cada uma em cada mão
Fiquei tão envergonhado
Parei na hora de chorar
Beijei suas mãos divinas
E voltei para o lado de cá
Me deram uma bengala
Um cachimbo pra fumar
Um copo d’água
E uma vela
Um toco pra sentar
Reuni todos os filhos
Pra poder me apresentar:
Sou um velho da senzala
E vim aqui pra trabalhar
Vocês não estão sozinhos
Vim a todos ajudar
Atravessar esse caminho
Com as bênçãos de Oxalá