Só Deus
Muita coisa nos pareceBoa coisa nesta vida
Cheia de graça e de pose,
Desfrutável, colorida.
Mas, logo dobrando a esquina,
A pose desfaz-se em nada,
A cor se veste de preto,
A fruta fica bichada.
Esse é um mistério da vida
Que ninguém vai entender
Enquanto se busca o mundo
Pela posse em vez de ser.
Enquanto não se percebe
Que o ontem vive no agora,
E o futuro já chegou
No instante da nova hora.
Que o outro não é pedaço
De trapo rolando ao vento,
Mas sofre com nossa carne
E chora nosso lamento.
Que a vida nunca se acaba
Porque não teve começo,
Morrer é continuá-la
Em mais formoso endereço.
Que o prazer maravilhoso
Sempre é grávido de dores,
Se vivido nos extremos
Dos desfrutes e sabores.
Que a ação mais importante
Nunca busca recompensa,
Pois então ela liberta
Acima de toda crença.
Que a verdade é sempre esquiva
No jogo do bem ou mal,
Mas se entrega sorridente
Para o Amor Universal.
E que o Deus por quem se luta
Batalhas de vida ou morte,
Dos dois lados pega em armas
Decidindo a própria sorte!
Mas é normal neste tempo
De escuridão e perigo
Que o homem escolha o joio
Pensando que escolhe o trigo.
Seu olhar anuviado
Pela poeira da estrada
Não vê o nada do tudo,
Não colhe o tudo do nada.
Considerando, no entanto,
Que só Deus há neste mundo,
Que importa que se liberte
Em éons ou num segundo?
Que delire e vá sofrendo
Na ilusão enquanto dorme,
Que o tamanho de seu erro
Seja pequeno ou enorme?
A escolha que ele faz
– Mesmo fruto da demência –
Há de trazer-lhe, ao final,
Com muita dor – consciência!
O seu destino é ser Luz
Ainda que ande a mesmo,
Pois é Deus que está parindo
O Deus que traz em Si mesmo!