Adão
Deus!
Há momentos em que eu gostaria
De ser Adão...
E, Adão,
Sentado na pedra rústica do teu Himalaia,
Eu gostaria de contemplar
A tua natureza intacta,
Sem ovelhinhas clonadas,
E sem água poluída,
Sem ciências econômicas,
E sem guerras por comida.
Revolta contra o progresso?
Me desculpa, mas não é,
Neste modelo vencido
Nem ateu coloca fé,
Na luta pela vivência,
Disputando amargo pão,
Rico e pobre são mendigos
De cabeça e coração!
Se, descendo de tua nuvem,
Andares comigo um pouco,
Vamos chorar lado a lado
E verás que não sou louco,
A não ser que louco seja
Por permitir-me ir adiante
Em um mundo onde a miséria
Faz do lixão – restaurante!
Onde a calçada arquitetada
Para o pé do indiferente,
É o berço da criancinha
Que suga a teta doente,
E onde seres debruçados
Sobre as pernas de segunda
Estendem as mãos sem carne
À caridade iracunda!
Mas se alongares o olhar
Às casas da redondeza,
Onde a miséria faz sala
Ao comércio da fraqueza,
Verás tristonhas mulheres
Se dando ao léu por premência
Enquanto geram na alma
O lodo da decadência!
E na casa mais bonita
Com servas de lindas toucas,
– O vinho adornando a taça,
E a taça enrugando as bocas –
Tu verás homens que trocam
Por amantes infelizes
Esposas que se comprazem
No lugar das meretrizes.
E no sertão onde o tempo
Ora te afoga, ora seca,
O coração de teus filhos
Virou sangrenta peteca
Rolando de mão em mão
Nas mãos de quem só faz nome
À custa de quem tombou
Sob as torturas da fome!
Mas isso tudo ainda é pouco
Se falo um pouco das guerras,
Das guerras velhas ou novas
Com velhos vícios da Terra:
As guerras da hipocrisia,
A guerra da cocaína,
A guerra do parlamento
Na luta pela propina!
Das velhas guerras com armas
Que vamos dizer, então?
Se santas já foram tantas
E bento tanto canhão,
Mas, da ciência ao abrigo,
Hoje, guerra nas estrelas,
– Guerra limpa onde o guerreiro
Mata crianças sem vê-las!
Mas, crianças, quem s’importa?
Vêm tantas ao planeta,
Paridas d’outras crianças,
Amarelas, brancas, pretas,
Feitas em camas bordadas
Ou feitas mesmo no chão,
A indústria do filho-neto
Tem por pai a ocasião!
Deus, ó Deus – perguntaria
Nobre cantor – Onde estás?
Que ainda susténs este povo
Que já escolheu Barrabás,
Gente que clama por sangue
Como do Cristo exigiu
E lambe em suas feridas
O sangue que não caiu!
E é por isso, ó meu Deus,
Deus do bandido e do asceta,
Que a chance de ser Adão
Reclama um pobre poeta,
Para que Adão talvez sendo,
Da criação talvez rei,
Te pedir um mundo novo,
Num tempo de Nova Lei!
Deus!
Há momentos em que eu gostaria
De ser Adão...
E, Adão,
Sentado na pedra rústica do teu Himalaia,
Eu gostaria de contemplar
A tua natureza intacta,
Sem ovelhinhas clonadas,
E sem água poluída,
Sem ciências econômicas,
E sem guerras por comida.
Revolta contra o progresso?
Me desculpa, mas não é,
Neste modelo vencido
Nem ateu coloca fé,
Na luta pela vivência,
Disputando amargo pão,
Rico e pobre são mendigos
De cabeça e coração!
Se, descendo de tua nuvem,
Andares comigo um pouco,
Vamos chorar lado a lado
E verás que não sou louco,
A não ser que louco seja
Por permitir-me ir adiante
Em um mundo onde a miséria
Faz do lixão – restaurante!
Onde a calçada arquitetada
Para o pé do indiferente,
É o berço da criancinha
Que suga a teta doente,
E onde seres debruçados
Sobre as pernas de segunda
Estendem as mãos sem carne
À caridade iracunda!
Mas se alongares o olhar
Às casas da redondeza,
Onde a miséria faz sala
Ao comércio da fraqueza,
Verás tristonhas mulheres
Se dando ao léu por premência
Enquanto geram na alma
O lodo da decadência!
E na casa mais bonita
Com servas de lindas toucas,
– O vinho adornando a taça,
E a taça enrugando as bocas –
Tu verás homens que trocam
Por amantes infelizes
Esposas que se comprazem
No lugar das meretrizes.
E no sertão onde o tempo
Ora te afoga, ora seca,
O coração de teus filhos
Virou sangrenta peteca
Rolando de mão em mão
Nas mãos de quem só faz nome
À custa de quem tombou
Sob as torturas da fome!
Mas isso tudo ainda é pouco
Se falo um pouco das guerras,
Das guerras velhas ou novas
Com velhos vícios da Terra:
As guerras da hipocrisia,
A guerra da cocaína,
A guerra do parlamento
Na luta pela propina!
Das velhas guerras com armas
Que vamos dizer, então?
Se santas já foram tantas
E bento tanto canhão,
Mas, da ciência ao abrigo,
Hoje, guerra nas estrelas,
– Guerra limpa onde o guerreiro
Mata crianças sem vê-las!
Mas, crianças, quem s’importa?
Vêm tantas ao planeta,
Paridas d’outras crianças,
Amarelas, brancas, pretas,
Feitas em camas bordadas
Ou feitas mesmo no chão,
A indústria do filho-neto
Tem por pai a ocasião!
Deus, ó Deus – perguntaria
Nobre cantor – Onde estás?
Que ainda susténs este povo
Que já escolheu Barrabás,
Gente que clama por sangue
Como do Cristo exigiu
E lambe em suas feridas
O sangue que não caiu!
E é por isso, ó meu Deus,
Deus do bandido e do asceta,
Que a chance de ser Adão
Reclama um pobre poeta,
Para que Adão talvez sendo,
Da criação talvez rei,
Te pedir um mundo novo,
Num tempo de Nova Lei!