Poema-Oração-Invertida às 13 almas do Joelma

Poema-Oração-Invertida às 13 almas do Joelma

No dia de São Piônio, no ano de 1975, que foi martirizado na fogueira,

O incêndio do edifício Joelma denunciou a precariedade da metrópole,

O curto-circuito do ar condicionado, por ironia,

Asfixiou o ar e espalhou chamas pelas salas e corredores...

Morreram muitos e centenas de feridos!

Tragédia urbana na contraditória São Paulo!

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São Pedro tem as chaves do Paraíso,

E controla a entrada das almas

Tendo por critério suas obras, desejos e sentimentos...

Porém, a cada setênio,

Treze almas desconhecidas chegam advindas de catástrofes:

Por água – afogamento ou inundação

Por ventos – ciclone, tempestades ou furacões

Pelo fogo da terra – vulcões, lavas, gêiseres

Por desmoronamentos – soterramentos, quedas

Pelo frio – congelamentos, hipotermias

Pela fome e sede – nas guerras e nos desertos

Pelas guerras – tiros, dilaceramentos, explosões

Por acidentes – de veículos, de aviões, quedas

Por assassinatos – traições, emboscadas, assaltos

Pela Inquisição – alquimia, astrologia, numerologia e outras ciências ocultas

Pela Política – repressão, execuções sumárias, torturas

Pelos vícios – bebida, drogas

Pelo fogo – incêndios naturais e acidentais

São então bem-aventuradas, reconhecidas e se lhes abrem os portões dos Céus!

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As treze almas do Joelma,

Encontradas num elevador – o elevador, símbolo da modernidade,

A subida rápida às alturas dos arranha-céus,

Aos mirantes para vislumbramentos de todo o horizonte vertical das cidades! -,

As treze almas do Joelma,

Carbonizadas num elevador,

Nunca identificadas, reconhecidas, nomeadas,

Sepultadas como indigentes...

O povo, porém, ansioso de esperança, de milagres,

Busca nas almas flageladas, sofredoras de terríveis infortúnios

A bem-aventurança, a audição de seus sofrimentos pelo mundo espiritual...

Logo, no Cemitério da Vila Alpina

(ironia do nome novamente, os Alpes – europeus, altos, frios, gélidos)

Se fez lenta e contínua peregrinação,

Fiéis desesperançados, num último átimo de esperança,

Colocam copos e garrafas de água sobre os sepulcros sem nome,

E placas diversas rodeiam todo o lugar

Exclamando graças recebidas!

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Certa vez, eu também, com o coração contrito,

Eu também fui lá, levei um copo d’água,

Mas senti enorme tristeza no local,

Entrei na mínima capela ali construída,

E rezava pensando quão egoísta eu ali seria,

Por quê aquelas almas sofredoras,

Que reza a lenda, dizem, às noites ululam

Pedindo água e libertação de seu infortúnio,

Almas que só o Criador sabe-lhes os nomes,

Por quê elas haveriam , ainda por cima,

De cuidar de meus problemas

Por um pouco de água?

Água, minha mãe dizia,

Não se deve negar a ninguém...

Por quê haveria eu de fazer barganha por ela?

Não! Desisti de meus pedidos às treze almas,

Deixei ali o copo de água,

Desejoso de que um dia se descubra

A origem, a história, a vida enfim

Daquelas 13 almas sofredoras!