ciências (ou a fé racionalizada)
lá no instituto de pesquisas
excelência das ciências do país
onde tudo recende a razão
entre laboratórios, departamentos, observatórios
há também uma capela
ela mesma despojada, sóbria, singela
o único ornamento é a cruz
metodicamente desnuda, reta, fria
a ciência pretendendo racionalizar a fé
mas que justamente pelo desnudamento
faz-se mais contundente
no seu arrebatamento
três das partes dessa calculada cruz,
a que se eleva ao céu
e as duas que se abrem para o horizonte,
são do mesmo tamanho
mais curtas que a outra
e parecem querer dizer
da obrigação de um comedido balanço
entre os homens no mundo
a quem nos tocamos com os braços abertos
e os seres do alto
a quem invocamos
nas mãos postas em oração
e nos olhos que ousam elevar-se
e a quarta parte
esta sim, mais avantajada que as outras
dá aos dois madeiros atravessados
as proporções equilibradas da cruz
qual árvore bem fincada ao solo pela raiz
e bem erguida ao céu pelo fuste longo e ereto
e por ser assim maior
estaria a querer dizer-nos
que antes do outro
a quem nossos braços procuram tocar,
sejam toques libertários ou de jugo e submissão,
e do celestial
que ansiamos nos sonhos e preces ao alto
carece primeiro mergulhar fundo no chão
lá na essência das sombras e pântanos
das profundezas de nós mesmos
Publicado no livro "gestação caosmopolita" (2014).