Senhor Entediado
Nasci em forma de coisa
Um estranho que veio do lugar certo
Imóvel como todos
Mas com a cabeça já em movimento
Logo no ventre da criação
Eu já tinha cabelos brancos
Sou a reincarnação d'algum ancestral
Que a morte não soube guardar nos seus buracos
Idade 0
Um anjo a menos ou a mais na família
Inquilino sem instalação prévia
Surjo fora dos planos
Começa o mal tão logo percebo
Que não estou em casa mas no mundo
A infância passa na dureza e ao chegar a mancebo
O tédio ganha músculos e a tristeza vai a fundo
Não sei quantas vezes vivo
Por dia morro mais do que respiro
Deveriam sarar-me como à maioria
Mas é com as boas práticas que me firo
As canções de exaltação
Não me fazem dançar bem
São como ruídos para os ouvidos meus
Só me servem para o desdém
O aborrecimento é uma virtude
Estar sozinho põe-me acompanhado
E eu aprecio o isolamento
Como se fosse casado
A minha mulher é uma brisa
Que me visita nos climas românticos
Toca o meu rosto, em mim desliza
Leva os calores problemáticos
Fico aí a pensar
Na boa relação que temos
Nos planos que não fazemos
Nos filhos que jamais faremos
Não sou letárgico
Apenas cansado do costume
Levo a vida em variações
Cada padrão que me fume
Vendo positivismo de graça
Em contrapartida lucro só
A ver meu tédio rejuvenescer
Como as piadas da minha avó
O que prende os demais me afugenta
O que por aqui flore para mim rebenta
Como granadas em campo de batalha
Onde toda confiança é suspeita.