SANDÁLIAS
Trançadas em couro com simples amarras,
Benditas são as marcas deixadas por tuas sandalias.
Palmilhando sempre a verdade e a expungir toda humana farsa,
Em comunhão se põe com teus sagrados pés,
A cada passo, osculando docemente o solo por onde passa.
Todos, tombados nas veredas à beira desse caminho,
Mesmo a exaltar imaculadas pegadas que foram por Ti ali deixadas,
Não ousam um só olhar, nesta arena terrena, acima delas lançar.
E de todos os recantos destas áridas terras,
Acorrem as gentes: aleijados, deficientes da carne e do espírito,
os mais doentes;
Também os pródigos, ricos e senhores de alma incrédula,
Pagãos absortos em vis quimeras,
Põem-se duvidosos à beira da trilha na Tua espera.
Mas se para as Tuas pegadas, nesse chão por séculos estampadas,
Bastou só um dia nesta existência terrena para a causar toda essa pobre comoção,
O que seria feito da miséria acaso todos voltassem olhos e corações
acima,
Mais do que às sandalias e a Teus pés,
Às verdades que sempre brotaram do Teu imaculado coração?
E com sentimento entre os mortais daquela época, unicamente,
talvez,
Foi aquela pobre e ávida alma carniceira,
Que na hora derradeira, a Tua face ousou divisar,
Para no Teu sagrado vaso com a lança penetrar,
Quando já imolado encontrava-se na madeira.
Desde então, hordas banhadas na dor, germen presente geração após
geração,
Se dobraram em vergonha daquela malquista consagração.
E assim, em Teu nome, impérios foram instituídos,
Homens e consciências na fogueira destruídos,
Templos e novas ordens erguidas, desembainhando outras tantas
vidas.
Por vezes, esquecidos na miséria humana e todo seu pranto,
Ensandecida se fez a busca pelos símbolos.
Do cálice ao sagrado manto, do ocidente ao oriente, por todos os
cantos.
Pobres vidas mundanas, adoradores de traças que a todos os
ícones consomem.
Buscando os valores da criação nas coisas que só são comuns aos
homens.
Tornem, então, vivendo o sentido e elevando ao coração o Teu santo
nome,
Ao encontro daquela velha e esquecida trilha, chama que não se
consome,
Voltando-se às marcas deixadas por tuas saudosas sandalias,
fitando, agora, nos olhos, o verdadeiro Deus, lembrando que um dia por aqui passou feito homem.