O SONO DO MUNDO
"Na verdade, a Terra está contaminada por causa de seus moradores; porquanto transgridem as leis, mudam os estatutos, e quebram a aliança eterna" (Isaías 24 :5)
Entardece nas colinas do mundo...
E o sol,
o ardente sol, como a luz de três dias,
capitaneia agora, revelador, noutros nascentes.
–
É rubro quente de tórridas manhãs sobre letárgicos horizontes
e resplende a vida, o viço cansado da vida,
nos enigmas guardados na eternidade do ato criador.
–
Crescem malignas figueiras nas planuras
dos continentes abatidos.
Torres de impérios dominam sobre as águas embriagadas, mórbidas, mornas.
–
O homem morre.
O organismo perece pelo contágio do espírito com as mulheres adúlteras.
Com as prostitutas das águas no balé das doutrinas.
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A terra está contaminada. Contaminada...
Morre o homem. Renasce. Morre. Transgride
E renasce. E morre nas infinitudes das vidas não sabidas, não contadas.
Volta. Sempre volta... Sempre transgride.
O homem natural é uma metáfora.
Um animal solto das rédeas...
–
Entardece nas colinas...
Os homens dormem profundamente
na grande festa dos vinhos tintos de sangue.
O circo está iluminado.
Esplendidamente iluminado no frenesi humano.
A morte reina...
Os plebeus gritam vivas em todas as línguas.
Lá fora, nos átrios das arenas, o pão é distribuído em diminutas porções.
Nas sombras (e à luz do dia) os lobos devoram todas as carnes e todas as gorduras.
E também a pele das ovelhas. E os ossos...
–
É uma tarde amarga. Ninguém percebe...
Nuvens estranhas se vestem agora de grinaldas pardas. Ninguém percebe...
As gigantescas rosas esperam em seus berços cálidos. Caladas. Ogivas na solidão.
Ninguém percebe...
–
Amanhecem os dias, outros segredos rondam a rotina dos instintos... O homem não percebe.
O homem perpetua-se no sono de uma morte triste. Apagada...
O ciclo da serpente continua aprisionando as mentes distraídas,
absortas,
amortecidas,
hipnotizadas
na prática viciosa das horas, da diversão mental, dos ritos programados da grande Matrix.
Cérebros encarcerados em cavernas sombrias...
Milhões de bípedes que caminham sem conhecer a direção e o sentido da vida.
–
Ah, o sono das doutrinas! O sedutor sono das doutrinas!
Ah, o sono das doutrinas! O sedutor sono das doutrinas!
Ainda o silvo sinuoso sob macieira...
Ainda o silvo sinuoso debaixo das capas e das mitras.
–
...E a dor virá. E a carne despertará diante do grande monstro
que se levantará nas montanhas escarlates do norte.
O cavaleiro negro! ...Sobre o cavalo amarelo.
–
Por isso entardece o tempo nas colinas do mundo.
Por isso os anjos anunciam o que vem nas penumbras da tarde.
Entardece nos campos. Entardece nos valados, nos rios já turvos, nos mares perturbados.
–
Por isso será necessário
que mãos se conjuguem num só Verbo
que bocas murmurem juntas uma só oração
que seja um só hino cantado por vozes irmãs
que seja uma só estrada a vereda dos misericordiosos
que seja multiplicada a ternura
que sejamos cachos de uva com algum mosto
que a água da Vida seja mais repartida
que o pão não seja mais de poucos donos
que sejam ouvidas a vozes dos Profetas
que seja um só vinho na comunhão dos corações
e que o Amor, enfim, possa construir um novo tempo,
um novo mundo.
...E que guardiões despertem
para que as sementes benditas dos mansos
possam herdar a terra e repousar em paz.
Sidnei Garcia Vilches (02/07/2014)