DEUS DECEPÇÃO.

DEUS DECEPÇÃO.

Eu,

Cheio de preconceitos,

Eu,

Com falsos conceitos,

Neo-nazista!

Eu,

Detesto pretos,

Eu,

Você,

Nós... nós todos,

Cheios de preconceitos,

Fugindo como se eles carregassem lodo,

Lodo na cor...

E com petulância,

Arrogância,

Afastando a pele irmã.

Mas

Estou pensando agora:

E quando chegar a minha hora?

Meu Deus, se eu se eu morresse amanhã,

De manhã?

Numa viagem esquisita,

Entre nuvens feias e bonitas,

Se eu chegasse lá

E um porteiro manco,

Como os aleijados que eu gozei,

Viesse abrir a porta,

E eu reparasse em sua vista torta,

Igual aquela que eu critiquei?

Se suas mãos tateasse pelo trinco,

Como as mãos do cego que não ajudei?

Se a porta rangesse,

Chorando o choro que provoquei?

Se uma criança me tomasse pela mão,

Criança como aquela que não embalei?...

E se me levasse por um corredor florido,

Colorido,

Como as flores que jamais dei?

Se eu sentisse o chão frio,

Como dos presídios que não visitei?

Se eu visse as paredes caindo,

Como as das creches e asilos que não ajudei?

E se as crianças tirassem corpos do caminho,

Corpos que não levantei?

Dando desculpas de que eram bêbados,

Mas eram epiléticos,

Que eram vagabundos, mas era fome!

Meu Deus!

Agora me assusta pronunciar o seu nome!

E se mais para frente

A criança cobrisse o corpo nu,

Da prostituta que eu usei,

Ou do moribundo que não olhei,

Ou da velha que não respeitei?...

Corpos de alguém exposto,

Jogado por minha causa,

Porque não estendi a mão,

Porque no amor fiz pausa

E dei, sei lá, só dei desgosto!

E, no fim do corredor, o início da decepção!

Que raiva, que desespero,

Se viesse o mecânico, o operário,

Aquele vizinho, o maldito funcionário

E até o pedreiro,

Todos sorrindo não sei de quê!

Ah! Sei sim, riem da minha decepção.

Deus não está vestido de ouro!

Mas como???

Está num simples trono:

Simples como não fui,

Humilde como não sou.

Deus decepção!

Deus na cor que eu não queria,

Deus cara a cara, face a face,

Sem aquela imponente classe.

Deus simples! Deus negro!

Deus negro!

E eu...

Racista,

Egoísta,

E agora?

Na terra só persegui os pretos,

Não aluguei casa, não apertei a mão.

Meu Deus você é negro, que desilusão!

Será que vai me dar uma morada?

Será que vai apertar a minha mão?

Que nada!

Deus você é negro, que decepção!

Não dei emprego, virei o rosto.

E agora? Será que vai me dar um canto,

Vai me cobrir com seu manto?

Ou vai me virar o rosto no embalo da bofetada que dei?

Deus, eu não podia adivinhar.

Por que se fez assim?

Por que se fez preto,

Preto como o engraxate,

_ Aquele que expulsei da frente de minha casa!

Deus, pregaram você na cruz

E você me pregou uma peça:

Eu me esforcei à bessa

Em tantas coisas, e cheguei até a pensar em amor,

Mas nunca,

Nunca pensei em adivinhar a sua cor!

Esta é uma poesia de Neimar de Barros, publicada em 1973

Neimar de Barros.
Enviado por ANTÔNIO TAVARES em 27/06/2015
Código do texto: T5291827
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