Quando O Galo Cantar
Hoje acordei cedo, como há muito não fazia; semblante sorridente,
encarei-me no espelho sem sentir desprezo.
Porque o desprezo, nenhuma criatura o merece.
Falo de desamor e orgulho, meu bem.
O primeiro endurece o coração incauto,
o segundo é chaga que obscurece a razão.
Desperte, minha querida, pois é quase tarde.
Lá fora já se dissiparam as nuvens de ilusões.
Mas, e aí dentro?
Não ouviste o galo cantar?
Pois te digo: por três vezes ouvi-lhe o clarinar solene,
e na terceira, condoí-me da nossa mesquinhez.
O sofrimento, meu amor, advém da nossa visão mesquinha da vida,
ou quem sabe, da nossa cegueira?
Hoje acordei de um sono prolongado e profundo.
Tirei um enorme peso dos meus ombros.
Hoje me levantei bem cedo; vi o dia clarear para
libertar-me daqueles sonhos-pesadelos.
Mas para ti, oh, sinto querida!
Ainda não se fez dia.
O galo ainda não pôde cantar.