Cálice
Sob a pele as cinzas repousam livres do sopro
olhos brilhantes lacrimejam mas não transbordam
surdo o mundo não ouve o descompasso do coração
rugas reminiscêntes espelham tempos idos
esgotado o mundo resta a poesia a reinventá-lo
anjos e demonios bailam ao som de mil liras
o céu e o inferno fundiram-se nas esquinas da vida
o mundo fechou cortinas no horizonte
distante perdi o rumo sem prumo não sei voltar pra casa
o novo já nasce velho perdi o costume do consumo
a vida consumida pela ausência de vida é lida
ambiguidade me deixou tetraplégico
faca de dois gumes fere mas não define o corte
quando o que sangra é a morte a vida não estanca
peito que não suporta farsa não disfarça ira
ainda nascem rosas nos cemitérios
o belo floresce em qualquer lugar
morta serpente resta o veneno
comportado o corpo apenas comporta
suporta a vida presente
se me amas não me digas que me amas
me ame simplesmente
a palavra é lavra do engano
não me queiras pelo que digo
me procures no que sou
envelheço em barris de carvalho
protegido do orvalho de vossas manhãs
apuro o sabor na sombra
calo-me à espera do cálice fatal