Cálice

Sob a pele as cinzas repousam livres do sopro

olhos brilhantes lacrimejam mas não transbordam

surdo o mundo não ouve o descompasso do coração

rugas reminiscêntes espelham tempos idos

esgotado o mundo resta a poesia a reinventá-lo

anjos e demonios bailam ao som de mil liras

o céu e o inferno fundiram-se nas esquinas da vida

o mundo fechou cortinas no horizonte

distante perdi o rumo sem prumo não sei voltar pra casa

o novo já nasce velho perdi o costume do consumo

a vida consumida pela ausência de vida é lida

ambiguidade me deixou tetraplégico

faca de dois gumes fere mas não define o corte

quando o que sangra é a morte a vida não estanca

peito que não suporta farsa não disfarça ira

ainda nascem rosas nos cemitérios

o belo floresce em qualquer lugar

morta serpente resta o veneno

comportado o corpo apenas comporta

suporta a vida presente

se me amas não me digas que me amas

me ame simplesmente

a palavra é lavra do engano

não me queiras pelo que digo

me procures no que sou

envelheço em barris de carvalho

protegido do orvalho de vossas manhãs

apuro o sabor na sombra

calo-me à espera do cálice fatal

Gavião Caçador
Enviado por Gavião Caçador em 15/04/2007
Reeditado em 15/04/2007
Código do texto: T450839