O SILÊNCIO DO CENÁCULO
Depois daquela Ceia, os amigos
que estivemos ali naquela festa,
resolvemos ficar pr’ além da hora.
Uns levarão os restos aos mendigos,
outros farão a limpeza que se apresta
e que tudo se faça sem demora.
O Mestre já saíra antes da noite
e fora com os onze para o horto
para ali contemplarem as estrelas.
E nós, com nosso corpo feito açoite,
num estado de alerta meio torto
deixámo-nos dormir junto às janelas.
Cenáculo era o nome da Vivenda
doação que Arimateia com certeza
para os actos do Mestre obtivera.
Ali dormimos todos sem comenda,
seguros e de graça com justeza
e assim valeu a pena a nossa espera.
Acordámos na alta madrugada,
na porta mil pancadas com fragor,
chamando em altos brados por alguém.
Tiago e Mateus duma assentada
deram a triste nova com terror:
Jesus foi preso em Jerusalém!
Com estes dois, correndo, outros chegaram
vindo dar a notícia aos familiares
que logo s’ abraçaram já sem fala.
Nascida a aurora todos sossegaram
e juntos a Sua Mãe, deixando os lares,
saíram com temor em grande escala.
Sobre o Cenáculo caiu o drama,
à forte luz cerraram-se as janelas
e o gonzo daquela porta emudeceu.
A Mãe da Soledade já derrama
as suas lágrimas pelas vielas
e até o triste Judas ensandeceu...
Frassino Machado
In ODISSEIA DA ALMA