Reflexos das ilhas

"Ser sincero contradizendo-se a cada minuto"

(Álvares de Campos - Heterônimo de Fernando Pessoa)

Prezado Álvares de Azevedo,

Adoro teus versos,

Mas não me agradam os teus sentires.

Pois, por um instante,

Também os senti.

Curto instante,

Inquietação quase eterna -

Só não foi eterna porque

Meu encanto é fácil.

Porém a inquietação só existe

Porque meu encanto é fácil.

As pedras do caminho

Parecem sempre repugnantes...

As pedras do sapato

Parecem sempre repugnantes...

Mas pedras não foram feitas

Para serem esquecidas e jogadas:

Foram feitas para serem guardadas

E, principalmente,

Amadas completamente.

Eu busquei flores na solidão

E a solidão me deu sementes e disse:

- Agora planta d'entre a gente.

Eu busquei sorrisos na solidão

E a solidão me deu dedos e disse:

- Agora faze cócegas em alguém.

Eu busquei um ombro na solidão

E a solidão me deu o sono e disse:

- Agora dorme aos braços de alguém.

Eu busquei flores

Eu busquei sorrisos

Eu busquei um ombro

Enfim!

Eu busquei companhia na solidão

E a solidão me deu lembranças e disse:

- Agora vive tudo isto novamente.

Não satisfeito,

Eu busquei solidão na solidão

E a solidão me deu solidão e disse:

- Viste como é ruim? Esquece-me.

Eu não a esqueci,

Mas obedeci completamente e,

Após ver neste espelho

Reflexos meus tão repugnantes,

Felizmente obedeci.

Guarderei e amarei

Todas as pedras.

A sete palmos da terra,

Quem tem mais pedra é rei

D'entre os mortos

E motivo de lágrimas

D'entre os vivos.

Na solidão,

Aprendi a amar minhas pedras.

23/01/2013

Innocencio do Nascimento e Silva Neto
Enviado por Innocencio do Nascimento e Silva Neto em 23/01/2013
Reeditado em 23/01/2013
Código do texto: T4101408
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