Poema da ausência
 
No transe de cada dia
busco sempre te reencontrar.
Eu vindo das trevas, e
tu, num feixe de luz.
 
Tonto e confuso,
já não sei
se és mesmo a infante,
a mulher,
ou meu anjo guardião.
 
Sei apenas,
na minha doce demência e
clara lembrança,
que teu sorriso me acalma,
a tua voz me inspira.
 
O teu olhar me guia para a
a paz que me envolve
no acalanto da saudade
que teimo em sentir.
 
Foste tão de repente.
Sem um adeus,
um aceno de despedida sequer.
Nem endereço deixaste.
 
Partindo assim, desse modo,
poupaste-me a vida;
por pura bondade e
de tanto que bem me querias.
 
Tu, mais do que eu,
sabias: a dor de
ver-te partir
para não retornar,
como o raio impiedoso,
fulminante, me mataria.
 
Foram tantas as vezes
que te vi indo embora.
Davas uns passos a frente
e depois para mim
te voltavas.
 
E, como sempre fazias,
com graça a sorrir
me acenavas,
dizendo que
demorar não irias.
 
Um dia, porém, de vez tu foste
para um lugar bem distante
ou perto, quem sabe?
 
E eu, que era alegre e risonho,
passei a viver recordando
sozinho e tão triste o meu sonho.
 
Será que ainda estás lá e
me esperas?
 
Um milhão de anos,
ou um segundo somente,
enquanto o tempo me castiga
demorando a passar?
 
Aqui fiquei, me deixaste...
Ora sofro, ora me contento,
lembrando-me de tudo
nos lugares onde sempre eu te via.
 
Escuto
o teu riso franco
tentando em vão me alegrar.
 
Choro...
 
Derramo o pranto dos aflitos
e te vejo com
a mão estendida
querendo a todo instante
contigo me levar.
 
Sussurras o cântico dos serafins.
 
Ouço-te. Me chamas:
- Vem, vem!
 
Nunca daqui me fui - dizes.
 
Sempre estive ao teu lado,
assim, do jeito que tu me vês.
Eu mesma, não sou o teu anjo.
 
Sente o calor da minha aura!
 
Toma a minha mão e
vem comigo.
 
Vamos vagar
entre as estrelas do céu
e os bosques da terra,
cheirando flores com
borboletas e colibris.
 
Deitar no colchão macio de
nuvens brancas e
levitar sobre lagos azuis.
 
Vem comigo viver de verdade.
A nossa hora chegou,
alegra-te!
 
Terás para sempre a
menina que te queria e
a mulher que merecias.
 
- Não posso agora -
respondo-te com dolorosa angústia -
tenho dívidas a saldar,
compromissos, obrigações, laços...
 
Insistes:
- Tuas dívidas estão perdoadas,
dos laços os anjos cuidarão.
 
Não deves mais nada,
com esforço bem que tentaste
até o último cálice pagar.
Todavia, forças te faltaram,
não é culpa tua.
 
A missão que recebeste
com louvor a cumpriste.
Podes vir, portanto,
sem culpa.
 
Tenho tudo que desejas e
muito mais do que precisas.
 
Aqui tem amor,
alimento das almas.
Não faz frio nem calor e
tem perfume campestre.
 
Para embalar o teu sono,
se adormecer precisares,
terás o meu colo
e a bênção do Mestre. 


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N. do A. - Na ilustração, Marguerite de Emile Eismann Semenovsky (Rússia, 1853 - França, 1911).
João Carlos Hey
Enviado por João Carlos Hey em 18/07/2012
Reeditado em 14/09/2021
Código do texto: T3784168
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