EXCORPORAÇÃO (de "Vozes do Aquém")

Aceito a carona do súcubo

e cavalgo por uma planície

estranha e perigosa.

Posso sentir, de tão perto,

os espinhos finos dos cactos do caminho,

enquanto estalam os cascos

nas pedras brancas e duras,

arrancando faíscas e sangue.

Atrelado ao açoite

percebo que há uma falácia,

já que negada a palavra,

só sobra o soluço

e, depois dele,

o devaneio.

Ambos tiram o fôlego.

Reponho com o calcanhar.

Ainda que a porteira

pareça quebrada,

opto pelo trote.

Cabeças encobertas me esperam

do outro lado da moita.

E lá vão ficar,

já que o sol vem no meu encalço

e atira as sombras

para muito longe.

Bruscamente tomo ciência

de que não sou mais

mero passageiro,

mas feito presa

pelo incorrigível raptor.

Não passa de um passatempo,

do qual não quero nem um pouco

ser parte,

assim agarro

em um galho

e tento dar fim

à correria.

Mal sabia que havia posto a mão

na cumbuca,

derramando o mel

para raiva das abelhas

e das avós.

Só me restava colocar a cabeça

em um buraco,

o que fiz em seguida,

felizmente encontrando dentro dele

o às de copas,

que me permitiu

quebrar a banca

e levar a bolada total.