EXTENUE
Carrego no corpo,
hoje,
o peso
da rigidez cadavérica
daqueles que nunca amaram
ou nunca foram amados
eu não fui,
se fui,
tão pouco foi
que pouco ou nada senti
fiquei ali
embalando minha ausência de sentimentos
sem fúria
numa rede puída
Total inércia
de interagir
sei amar
ao menos,
pensei que sabia,
quando adotei
um animal de rua
ele
tanto quanto eu
dele
queria um tanto
de mim
diziam que preenchia os espaços
que a gente tinha vazios,
Mas ele e
eu
queríamos tanto
quanto tantos querem
sem dar
Assim como o corpo,
também o coração
Meus olhos secaram
de lágrimas
e,
desconfio que até minha alma partiu
para longe das vistas humanas
e por falar em vistas
das minhas
uma apagou
e o alcance da que restou
não vislumbra o horizonte
desaprendi
a olhar para frente
acostumei-me a olhar
para os pés
e o umbigo
Mas hoje,
olho
para cima
deitado aqui
nesta mesa
fria
do necrotério
pois deitado estou,
deitado para sempre ficarei
até que tudo apague
desapareça
consumido pelo ar e pelos vermes
e eu volte a ser o que sempre fui
matéria orgânica
e energia
aí
pode ser que eu
reascenda
volte do céu
numa grande explosão provocada
acima da cabeça dos humanos
como o faz
a chuva de fogos de artifício
e eu me caia,
leve,
sobre o corpo de cada um daqueles
que não amaram
talvez eu os cure da insensibilidade
ou ainda,
como energia renovada
eu os contamine
com um novo vírus
o vírus do amar o outro
como a si mesmo