Beatas
Rosários desfilam pela praça
acompanhando o andor,
ao som de cânticos de louvação.
Que fé seria aquela?
Nas casas, quadros da padroeira.
Imagens desfilam nos móveis
marcados pelo tempo e pelas orações.
Que fé seria aquela?
A pudica cera da vela se derretia.
Ouviam-se prantos em profusão
e joelhos arrastando-se pelo chão.
Que fé seria aquela?
Flores e água para a lavação
de corpos e de almas,
na busca da purificação.
Que fé seria aquela?
Mulheres que a vida carregam.
Maridos, filhos, miséria
e o tempo para os santos.
Que fé seria aquela?
Hoje, nas paredes um mito qualquer.
Figuras esquálidas, esquizofrênicas.
No decorado móvel, um computador.
Que fé será essa?
Na mesa de cabeceira um livro de filosofia,
na tela ainda aberta, sinais de pornografia
e ao lado um montão de antidepressivos.
Que fé será essa?
Restou-me a sensação de que o homem
atirou Deus pelo ralo.