CARRETÉIS I-XV
CARRETÉIS I
a VIDA é um CARRETEL que desenrola:
desfia-se DEPRESSA alguma vez,
de outras, LENTAMENTE, como pez,
mas cedo ou tarde o carretel se esfola,
o FIO termina,
fica o TORÇAL,
madeira ou osso
ou, afinal,
somente o plástico que conservava a lã,
que as meadas, contritas, amortalham
e levam ao sepulcro, onde embaralham
seus gastos fios após a dança vã.
CARRETÉIS II
a VIDA é como ÁRVORE no outono,
quando suas folhas LENTAMENTE caem;
engalanadas para um BAILE saem,
nessas mil cores que anunciam abandono.
recobre o CHÃO
manso TAPETE
que sob o orvalho,
o sol reflete.
assim pisamos sobre antepassados,
do mesmo modo que pisarão em nós,
mas no tapete não ficamos sós,
na mistura sutil dos desagrados.
CARRETÉIS III
a VIDA é o FIM de breve ou longa carta,
que ALGUÉM nos escreveu e nos envia:
não é tua MENTE que controla a fantasia,
a folha branca tem mensagem forte.
não OBSTANTE,
por entre as LINHAS,
vives alegre
e então definhas.
ou, quem sabe, qual em golpe de machado,
o tronco de tua vida é decepado:
aprisionado nas ferragens de teu carro,
a carta inteira transformada em barro...
CARRETÉIS IV
a VIDA é ainda CORRIDA demarcada
por qualquer ÁRBITRO desinteressado,
o alvo desde já determinado:
veloz é essa corrida para o nada.
e TODOS querem
chegar PRIMEIRO;
melhor seria
ser derradeiro...
todos mantidos no pálio da ilusão,
acirrados no impulso da conquista,
tristes mendigos percorrendo a pista,
para terem arrancado o coração!
CARRETÉIS V
alguns PROCLAMAM sangue ÍNDIO ter,
outros SANGUE português ou italiano,
ou sangue negro, no mesmo desengano,
sem seu sangue vermelho perceber.
que, quando CORRE,
é SEMPRE igual,
na cor da pele
de pez ou cal.
mas quando chega a noite e sangue jorra,
derramado em acidente ou assassinato,
todos atentam para o mesmo fato:
que é sangue negro que esse solo forra.
CARRETÉIS VI
pois somos TODOS de uma MESMA raça.
em toda PELE existe melanina,
em toda boca existe ptialina
e toda a diferença é só pirraça!
existe, SIM,
a RAÇA humana,
que sabe bem
ser desumana.
tivessem todos uma pele igual,
talvez buscassem os gordos humilhar
ou quem sabe os baixinhos desprezar,
como espezinham o invólucro carnal.
CARRETÉIS VII
é CANSATIVO ouvir essa CONVERSA
de RETORNO a uma vida natural,
a vida urbana por demônio ou mal
sendo tratada em discussão dispersa.
porque essa GENTE
não TEM noção
dessa frequente
destruição
da vida humana pela natureza:
fungos, insetos, vírus, com certeza,
nos matam muito mais que os automóveis
ou qualquer outra disfunção urbana.
CARRETÉIS VIII
quem ESTUDA as tribos mais SELVAGENS
sabe que VIVEM, em média, trinta anos,
porque os decretos biológicos são planos
e há perigos demais nessas paragens.
foi a CIDADE,
a VIDA urbana,
que à vida humana
maior continuidade
concedeu na proteção contra a intempérie,
nos armazéns onde guarda os alimentos,
na defesa contra tantas bestas-feras
ou os massacres realizados por estranhos.
CARRETÉIS IX
do mesmo MODO, até a ALIMENTAÇÃO,
apregoada NATURAL e bem mais pura,
contém em si muita porção impura
e, até mesmo, prejudica a digestão.
na ALOPATIA,
o PRINCÍPIO ativo,
mais fácil guia
à recuperação.
pois essas ervas usadas pelos índios,
nunca trouxeram a eles longas vidas
e a saúde raramente permitiram,
pelas toxinas que trazem escondidas.
CARRETÉIS X
a vida URBANA, dessa forma, DURA
mais alguns ANOS, a cada geração.
os centenários se contavam pela mão,
mas hoje há muitos, tratados com ternura
maior ou MENOR,
que SEMPRE há quem,
a preferir também
que morram de uma vez!
que as heranças custam mais a receber
ou mesmo gastas são em tratamentos,
nos males que acompanham os momentos
dessa que chamam de "a melhor idade"...
CARRETÉIS XI
isso TAMBÉM, contudo, é TEMPORÁRIO:
os CARRETÉIS de hoje são mais longos
e a tendência é se viver cada vez mais,
na proteção de nosso ambiente urbano,
porque, na SELVA,
a VIDA dita natural
em nada favorece
o gozo terrenal.
por isso as coisas mudam no social:
essa tendência ao envelhecimento
representa um belo lucro comercial
que a geriatria ganhou belo incremento!
CARRETÉIS XII
se CONSERVARMOS a CIVILIZAÇÃO,
se nenhum LÍDER paranóide a destruir
ou se a forte poluição não contribuir
para ampliar do calor a elevação
ou se a MÃE-TERRA,
com TAL calor,
de mau-humor,
não nos encerra
a vida em terremotos e vulcões,
podemos esperar mais longas vidas,
por esse ambiente humano protegidas,
sem que as destruam nossas ambições.
CARRETÉIS XIII
ou QUIÇÁ, até as parcas se REVOLTEM,
por EXCESSO de labor na fiação:
quem sabe criam uma nova união
ou sindicato e muitos fios nos soltem;
são horas EXTRAS,
GENTE há demais
e não conseguem
mais tirar férias.
cantou um aedo que passaram-se três anos
sem que ninguém morresse sobre a Terra,
nem os feridos de impetuosa guerra,
por mais que os corpos recebessem dano.
CARRETÉIS XIV
há PERÍODOS em que cresce a HUMANIDADE,
muito MAIS do que ocorre habitualmente:
as três irmãs descansam do inclemente
trabalho de cercear toda a vaidade
e, de REPENTE,
o POVO aumenta,
não se contenta
com seus limites.
quando voltam, labores têm dobrados,
tem de cortar a vida dos anciãos,
já não lhes basta a força de suas mãos
para acabar com doentes e aleijados.
CARRETÉIS XV
mas AGORA, já não podem tirar FOLGA:
existem FIOS demais em seus teares,
estão exaustas por dores e pesares
e a própria roda da roca já se amolga.
seus CARRETÉIS
ROLOS viraram,
se embaraçaram
pobres e reis...
por sorte, têm somente uma tesoura,
não podem nos cortar a fio de espada,
vão-se atrasando e todo o prazo estoura:
o real motivo porque a vida é prolongada!