COMA DEVOLUTO
Sobreponho a dor
ao comum acordo
com a luz do dia,
a quem, talvez,
pode não interessar
manter-me
neste insensato coma,
bem alimentado
através dos tubos,
mas contribuindo
somente com os excrementos,
lastro improvável dos impostos
em outra vida
devidos aos senhores do tempo
e da memória.
Pode o pé
iniciar uma rebelião,
ao se soltar dos grilhões
e, longo tempo passado estático,
tocar o chão,
carregando
com as suas faíscas
milhões de metros
de veias
onde corre
o sangue semi-azul
e, por isso mesmo,
ligeiramente mais leve
do que o ar.
Não acredite
a média
é melhor do que o nada,
casa, comida e roupa lavada
não são a soma
dos melhores números
que a vida
pode por na lousa.
O soldo
congela o soldado,
ereto
na vigília da sentinela,
enquanto os saltimbancos
trocam bolas e piruetas
no ar,
e o carro forte
retorna vazio
ao banco
de onde nunca
deveria ter saído,
pois lá foi depositada
a minha, a sua e muitas outras
almas penadas,
errantes
até ousarem tomar posse
da carcaça devoluta,
mesmo estando ela,
agora,
em coma total.
Desperta, mortal.
Mate,
se isso for necessário
para trazer
um pingo de vitalidade
ao seu debilitado
tórax tatuado.