O SIMPLES E O COMPLEXO
O SIMPLES E O COMPLEXO
Eu, que amei verdadeiramente o mundo,
Nele não vi nada que não fosse necessário.
Uma só lágrima que não devesse ser derramada
Uma só gota de sangue que não pudesse ser vertida;
Eu, que amei o mundo porque amava um DEUS,
Nele não vi nada que não merecesse existir,
Um grão de pó, larvas, demônios, pensamentos,
E até a desordem que clama por governabilidade;
Eu, que fui a língua que descreve o mundo,
Dele não aprendi tudo que podia ser descrito,
Porque minha mente só falava através das letras,
E o verdadeiro mundo é o que nunca teve Nome;
Eu, que já fui o caos que preside as trevas,
E dei parto à sombra que interdita a luz,
Fui ubertoso peito que alimentou a noite
E também o herói que libertou a aurora;
Eu, que já fui cometa e cadente estrela,
Em ceús sem noite e tempo medido,
Fui andarilho inútil por um espaço imóvel,
Sem plano de voo e sem destino determinado;
Eu, que já fui chuva útil e banal arco-íris,
E não senti alegria nessas performances,
Porque dessa utilidade não fiz praça ou preço
Nem dessa beleza amorfa quis fazer presença;
Eu, que fui planta, plancton e alga marinha,
E vivi no mar antes de imigrar para a terra,
E também fui réptil e chafurdeis nos charcos
Antes de tornar-me nuvem, anjo e pássaro;
Eu, que em todas essas existências fui muito livre,
Porque na simplicidade de cada forma assumida
A natureza não me cobrava a responsabilidade
Que dos humanos seres lhe é lícito reivindicar;
Agora liberto das leis do revesamento necessário,
Da relatividade e da quantificação das massas,
Sou irremediável servo da minha complexidade,
E talvez nem mais filho da MÃE que me gerou.
Eu sou o homem, flexa final de uma evolução fatal,
Que Deus arquitetou para dar sentido a Si Mesmo.
Não sou tão simples que não possa ser confundido,
Nem tão complexo que não possa ser decrifado.
João Anatalino