POEMAS PROFANOS: Voltemos à inocência!
Adoro Florbela Espanca e os seus sonetos dilacerantes. O intitulado «Não ser» começa:
Quem me dera voltar à inocência
Permito-me (desculpem!) profanar o verso e digo:
Após navegar pelas sequidões da vida,
envolve-me a saudade da inocência,
de aquele estado feliz em que podia
pecar sem pecado: a consciência
absorvida nas glórias subtis da carne.
Agora, informado de vários dogmas
(que, por o serem, fogem de toda
a compreensão verificável), sei-me
pecador e em "desinocente" teima
trás carne com formas de corpo
imperfeitamente (ah, procuro, sim,
procuro anelante a imperfeição...)
humano: fantasia de anjos e de cambas
espirituais florescidas em desejos...
Talvez devamos (eu o primeiro)
voltar à inocência... Mas como, meu
Deus!, como voltar ao seio da mãe?