OS OLHOS ESTÁTICOS
Qual é o valor dos olhos de um morto?
Para onde transcendem seus espíritos,
além da putrefação efêmera de suas matérias,
resistentes apenas ao impacto formal
das gentes e dos primeiros dias?
Repousam serenos diante dos corpos,
e dos vermes alheios ao tempo,
fascinados pelo breu do claustro.
E extasiados pela rotina do vai e vem,
dos vivos em seus percalços.
Esquecidos, eternizados pelas datas
e como reflexos dos dias do atraso,
dormem em suas lápides.
Sob a repetição das rezas,
cortinas e vozes.
Limitados pelo acaso. Salvos pelo destino,
de um precipício a outro, encontram a paz.
Fotografias, olhares diversos, marcos em concreto,
trancafiados os medos, risos, anseios, alegrias,
surpresas, euforias e lisonjeios.
Retratos estáticos. Não falam e tampouco revelam,
senão pela boca, memória dos vivos.
O sentimento encerrado nas grades
de um acidente de percurso,
entre este e um outro mundo.
E o valor que deixam aos demais é mensagem.
Profunda esperança na tempestade do cérebro
e no coração da lembrança, reflexo impiedoso da bonança.
Encontram amparo na luz celestial, num deus (re)criador,
de paisagens e cenários.
E olham com temor, amor ou desalento uma face que estranha,
e conhecida, exige o tempo que não mais necessitam.
E mesmo porque já vencidos pela confusão do desconhecido,
apenas são redirecionados ao destino de uma outra história.
Não se enxerga rancor, desatino de idéias. Apenas paz interior.
Não há rumor sobre meta de chegada ou partida,
os olhos contemplam o que se deixou e o por vir.
Um eterno retorno. Vida que extrapola o conceito.
Amor incondicional. E uma esperança sem julgamento.
Na luz acalmam os olhos e conforta-se a alma.