o homem e a libélula


A chuva sorrateira passa, feito bicho predador à espreita de novas presas.

Mas ela não é falsa uma vez que deixa no ar o cheiro de quem prepara novo bote.

Não me importo em correr o risco, quero caminhar um pouco. Já nos primeiros passos posso sentir a fresca brisa ainda umidificada de chuva, deitando pêlos em minhas narinas, como vergam os pinheiros na mata.

Vencido os primeiros obstáculos segue sua viagem o vento refrescando-me por dentro, ao tempo em que alimenta de oxigênio as células encontradas no caminho.

É o combustível da vida, se eu tivesse uma câmera interna poderia se assistir o espetáculo de cada células se acendento. Inclusive, aquelas responsáveis pelo pensamento que experimentando colorações variadas compoem um desenho de gratidão.

Este milagre acontece em mim, numa sucessão tão rápida de frações de segundos que faz o grande espetáculo se transformar em banal e a gratidão celular não vira palavra em minha boca.

Indiferente eu caminho e o livre arbítrio me permite olhar para todas as direções, mas me ative a cena do que vi no chão.

Uma poça de àgua é imensa represa para uma libélula que tenta sobreviver. Ela que levada pela ilusão do que se vê, mergulhou naquele espelho. Ludibriada por sua visão não bastou-lhe a imensidão do universo, mas ainda quis fazer do chão o céu.

Atenho-me a cena e já estava quase condenando a libélula quando o espelho d'àgua mostrou meu rosto e ao deparar-me com meus olhos pude ver que tais erros vivo eu a repetir.

Com sério agravo. Eu uso muito mais combustível de vida do que o inseto.

Para diminuir minha culpa com a haste de meu óculos ajudei a libélula a voltar para o céu real.

Voltei a minha caminhada, mas pouco tempo depois apressei as passadas. É que sentia grossos pingos de chuva caindo sobre minha cabeça.

Ao entrar molhado em casa o estrondo da trovoada parecia gargalhadas da chuva querendo dizer que eu era presa fácil.

Não me ofendi e nem era pra isso. Eu reconhecia minha pequenez diante da natureza.

Enquanto me despia pra um providencial banho quente pensava: “Nesta curta caminhada cumpri uma missão. Devolver o céu real a um inseto. O que para um homem já era muita coisa.

Paulinho Boa Pessoa
Enviado por Paulinho Boa Pessoa em 27/12/2008
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