Impossibilidade
Não queira morrer já, porque não pode.
Depois, muito depois, quem sabe...
Eu deixo.
Por enquanto, quero você aqui perto de mim
para me embalar nesse seu sorriso leigo,
de estórias tristes que me contava ainda há pouco,
ao som das maitacas longínquas e o brilho-fixo dos meus olhos.
Não queira morrer ainda jovem,
Sem conhecer as tenacidades do mundo
- implacável aborrecimento apoético -,
sem antes entregar-se à venusosas paixões cítricas,
desmaliciar-se e levar uma vida hostil,
arraigada de perniciosas amizades truncadas
e incrementos inúteis de gente grande.
Não queira. Não pode. Não morra.
Sabe, a vida é mesmo dolorosa
e morrer é para poucos.
Somente àqueles que perderam o contrário do amor,
e o sentido existencial adquire aspecto cômico:
- quando já é inútil o querer transcedentar-se,
estar preso, ritmo estúpido, quedados,
ilesos da necessária mistificação. Necrópicos, desamáveis -,
é permitido o morrer, o suicidar. O anular-se.
Aos outros, não.
Preciso é suportar a si mesmo,
para morrer com motivo outro,
com nódoas no espírito, e a alma já enfraquecida,
já aquiescêntica das desilusões - ferimento mortal permitido.
Somente nesses casos especiais raros.
Você que possui ainda ingenuidade,
que é vida, é viva e é criança crescida,
poderia ao menos me esperar para morrermos juntos.
Juntos e pacíficos, asserenados.
Sem o turbilhão dos sentimentos humanos,
sem essa crueza e impossibilidade que nos impede...
sem a dor dos adultos e dos velhos, rompentes,
sem essa máscara agonizada e doente.
Morrermos velhos de sermos crianças.
Assim, com o giz-de-cera ainda nas mãos.
(Ð¥€)