Centúrias
I
E a Guerra Santa começou.
Todos os inimigos hão de perecer.
Morte àquele que tropeçou.
Morte a quem merecer.
II
Religiões a se matar,
Sem motivo ou razão.
Tudo irá se acabar.
Irmão matando irmão.
III
Quem do inimigo se aproximar
O fogo eterno é condenação fatal.
Contra o vento, a remar.
Tolo! Idiota mortal.
IV
Os lobos gritam ao mundo
Para homens, mulheres e crianças,
Ao louco, surdo e mudo,
A todos, sem esperança.
V
“Quem és? Qual o teu Salvador?
Segue-me e te darei a vida
Sem tormento, tristeza e dor.
Curarei tua amarga ferida
VI
Sem distinção ou temor,
Se não fores da minha igreja
Sofrerás o maior horror,
Para que o mundo veja!
VII
Se não seguirdes a minha placa
Irás, de fato morrer.
Sentirás o gume da faca
Na tua pele, entrar e retorcer!”
VIII
E o sangue jorrou, escorreu.
Como água no oceano
De vermelho o mar se encheu,
Tingindo o verde altiplano.
IX
A dor latente ficou
Na triste mulher chorosa,
Que sedente orou
Pela vitória gloriosa.
X
Os homens sem destino,
Como loucos a gritar,
Com o gume fino
Da espada a cortar.
XI
“O fim está chegando
A todos os gentis!”
Estava o velho gritando
Com brados varonis.
XII
Imperou a loucura
Onde antes não se tinha.
Acabou-se a doçura
Que toda a paz mantinha.
XIII
E os “santos” a caçar
Os impuros de coração,
Pondo aos pés do altar
A cabeça de seu irmão
XIV
A demência se fez presente
Como se fosse a razão.
Não escapará nem o doente,
Quanto mais a multidão.
XV
A Guerra Santa é “santa”
Pois destrói o pecador.
O verdadeiro “fiel” canta
Para não sentir a mesma dor.
XVI
Eis que no caminho surgiu
Um descrente, velho ancião.
No chão, na estrada caiu,
O “fiel” lhe tira o coração.
XVII
E vem o fogo, como ave!
Todos a temer a morte,
Ilusão de quem vive
Tal sina, a mesma sorte.
XVIII
E quem irá morrer
Diante da roda da fortuna?
A sorte a correr
Pela chance oportuna.
XIX
Aquele que noutra doutrina crê
De todo o coração e alma
É caça, e o caçador ao longe vê
Espera, espreita com toda a calma.
XX
Os povos estão a cantar,
Cantos de solidão imensa.
Cantam par não chorar
Com tamanha dor intensa.
XXI
O que irá fazer
O homem iludido,
Diante do querer
Do “Anjo” enfurecido?
XXII
E a velha senhora
Soberba, se dizia crente.
Chegou sua vez, a hora
De sentir a espada reluzente.
XXIII
À pobre criança sonolenta,
Anjinho de amor e bondade,
Aparece a luz sangrenta
Da cruel calamidade.
XXIV
O caos se apoderou
Da vida do ser humano.
O tempo se encerrou.
Fim dos dias do arcano.
XXV
Muitos se encobriram,
Fingindo acreditar.
Da religião usaram
Para idiotas enganar.
XXVI
Falsos milagres contaram
Sem nada acontecer.
Diante do “Santo” choraram
Com a espada a descer.
XXVII
E quem disser: “Salva-me Senhor!”
Quando chegar o tormento
Será abatido, com o pendor
Da morte, no exato momento.
XXVIII
E cada qual na sua igreja,
Ajoelhado a rezar,
Que o “Anjo” ali não esteja,
Imploram vozes a suplicar.
XXIX
Mas o “Anjo” desencadeou
A ira nos que ali estavam.
Um ao outro odiou,
Todos, a todos se matavam.
XXX
Nenhum lugar para se esconder.
Ninguém que possa ajudar.
Nada para os socorrer
Do mal que vem a bradar.
XXXI
Na cidade santa
As “rosas” apareceram.
O povo pranta
Aos que à morte padeceram.
XXXII
Crendo noutra imensidão
O gosto acre vais sentir,
Pela mesma escravidão.
Medo e dor a coexistir.
XXXIII
Desesperado, o templário,
Lamentando seu calvário,
Atira-se do campanário
Como grande visionário.
XXXIV
A guerra começou assim:
Porque alguém disse não
Aos dogmas, a tudo enfim
Da igreja de outro irmão.
XXXV
Um pastor revoltado
Começava a pregar:
“Quem não estiver do meu lado
Na vida há de amargar!”
XXXVI
De irmandade à secção,
Procurava a dissensão.
De igreja à facção,
De virtude à aberração.
XXXVII
E lá do alto olhava
O Mestre, o Senhor,
Que triste chorava
Pelo seu perdido amor.
XXXVIII
E o seu santo sacrifício,
Tão e tanto apregoado,
Só trouxe o malefício
Pelo sermão tão deturpado.
XXXIX
Cada placa dogmática
Da palavra esqueceu.
Restou-lhe a pragmática
Que o coração abruteceu.
XL
Por certa altiveza
O filho, do pai escarneceu,
Tendo a plena certeza
De que homem era ateu.
XLI
E o apocalipse chegou
Com seus quatro cavaleiros.
A terra então manchou
De sangue, o braseiro.
XLII
Findará a “santa” guerra
Quando o inimigo morrer.
Serão o sal da terra
Os corpos a escorrer.
XLIII
Como ajudar o homem,
Pela vida desesperado?
Quando surge a fome
Pela igreja é alienado.
XLIV
O pregador dirá o que quiser
Com tamanha eloqüência,
E o coitado fará o que disser
Esse dono da demência.
XLV
Só há uma verdade,
Que jamais se apagará:
Que a grande falsidade
No hipócrita ficará.
XLVI
E ao grande egoísta,
Mentiroso contumaz,
Só tem de realista,
Que enganar lhe satisfaz.
XLVII
Mas este louco cairá
Diante do afiado gume.
Do prédio se jogará
Ao ver, da espada, o lume.
XLVIII
Não poupará o enviado,
Àqueles da enganação.
Serão, então julgados,
Cada qual por sua ação.
XLIX
Acreditam os fiéis seguidores
Que é a vontade divina,
Que se acabem os servidores
Doutras leis, doutra doutrina.
L
Nesta guerra de grande ira
O inimigo não está nas profundezas,
Não é o rei da mentira
E nem o pai da malvadeza.
LI
É apenas o humilde homem,
Um simples seguidor
Que sempre diz amém
A seu Deus, ao seu Senhor.
LII
E que n’Ele sempre espera
As graças do amor,
Louva a cada primavera
De coração e com fervor.
LIII
Mas ele é o eterno inimigo
Por permanecer na neblina,
Trazendo sempre consigo
As lições de outra doutrina.
LIV
Não é o anjo decaído,
Ou qualquer discípulo seu.
É um ser de poder desprovido,
Não é rei, é plebeu!
LV
Sem paz e nem trégua
A batalha há de continuar.
Passará a mão à régua
Para os “bons” qualificar.
LVI
Com os pés no taburno
Sem hora de parar,
Carrega, o pobre liburno
O “general” a guerrear.
LVII
Carnificina é o que virá
Da mão insolente.
Cada inimigo espiará
Ante ao fogo decadente.
LVIII
Quando a guerra findará
Trazendo o juízo final?
Talvez, jamais terminará
Diante da fraqueza carnal.
LIX
Anos, décadas e séculos passarão
Sem que o fim esteja perto.
Muitos sofrem e sofrerão
Pelo pecado descoberto.
LX
Mas, quão grande é o pecado
Que nessa guerra, à morte condena?
Será seguir o sagrado
Que a outro coração aquenta?
LXI
A lâmina espreita
A cada um que passar.
Se seguir outra seita
O coração vai trespassar.
LXII
E a “santa guerra” maldita
Há de sempre continuar
Pela palavra revindita
Que não vai extenuar.
LXIII
Não há a nobre salvação
Para hipócritas dissimulados.
Já não cabe mais perdão
Aos que usam os desesperados.
LXIV
A pura e verdadeira religião
Não é Cristo, Buda ou Maomé,
É amar a seu irmão
Do jeito, da maneira que ele é.
LXV
Cada qual tem sua razão,
Motivo, lógica a seguir.
Para Ter ou não religião
É fato a persistir.
LXVI
Com o outro não se importe,
Se não lhe faz mal.
Escolheu ele, a própria sorte,
Em nada abissal.
LXVII
E deixai o homem em paz
Por outra religião Ter.
Se contigo assim ele faz,
Tu não hás de querer?
LXVIII
O caminho a seguir,
Em que se acreditar,
Cada qual vai prosseguir
Na fé que optar.
LXIX
E nestas incompletas Centúrias
Profecias aqui não estão.
É um exemplo pouco da fúria
Da soberba e deturpada religião.
LXX
E a “Guerra Santa” não tem fim ...