DESPEDIDA DO RETIRANTE

DESPEDIDA DO RETIRANTE

No teu taciturno silêncio,

Encerras a calma que não tive,

O amor que não fiz,

O pranto que chorei,

O beijo que não dei,

Os dias que não vivi

Com a intensidade que eu queria.

Até bem pouco,

Calmo e com a expressão triste,

Contemplei-te pela última vez.

De minhas maiores emoções, fostes palco.

No teu seio, vi desabrochar,

Meu primeiro sonho de amor:

Minha filha, minha flor.

És testemunha de minhas preces.

Inerte, mudo, fostes cúmplice de minhas fantasias.

Confidente e parceiro,

Acalantastes comigo,

O melhor de meus sonhos.

Ouvistes calado a explosão de minhas alegrias.

Comigo, contemplastes

O brilho das estrelas,

Os raios do sol

De quase todas as auroras.

Os alimentos frescos,

Colhidos da roça.

O cansaço do trajeto,

O Suor da fadiga,

O beijo carinhoso de quem me esperava

No batente da porta.

Da febre que maltratava minha flor,

Fostes incansável assistente.

Nas entranhas de tuas paredes,

Com certeza, estarão as preces,

Que nunca foram ouvidas.

Nossa convivência era pacífica.

A chuva e o sol,

Davam-nos a esperança

Da colheita certa.

Era constante,

A renovação da fé.

Era possível,

Viver em harmonia:

Nós e você.

Passados alguns anos,

Toda paisagem se modificou:

As aves e os pequenos animais

Que te rodeavam,

Não existem mais.

Os pássaros,

Para quem eras referência.

Perderam-se no tempo.

Só tu resistes incólume,

A testemunhar a dor de não mais,

Estar contigo.

Nunca vou te esquecer,

Contigo aprendi a perseverar,

Mesmo carcomido pelo tempo.

Não me dou conta da extensão de tua dor e,

Nem mesmo sei se ela existe,

Mas sei que o teu jeito triste,

É a minha cara.

Nordestino feio,

Sem fé e sem esperança

Mas ainda com amor,

Abandono-te.

Como ave de arribaçã,

Parto com meus filhos,

Com minha pobre e sofrida mulher.

Em qualquer lugar deste País,

O meu País,

Haverei de encontrar um outro abrigo

Que me faça sentir gente,

Fugindo da seca

E ser feliz.

Adeus meu lar,

Meu rancho.

Quem sabe,

Pelo amor que encarnas,

Possas ser, daqui a algum tempo,

Um pedacinho do céu,

Onde outro nordestino feio possa,

Novamente amar, sonhar e ser feliz.

Rui Azevedo – 02.03.2008

Rui Azevedo
Enviado por Rui Azevedo em 02/03/2008
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