ESCARLATE

Não quero par, será que é tão impossível continuar?

Não vai doer, tenho o seu coração entre os dentes

E não me chame de canibal, você morde e assopra

É bem pior a ter por inteira...

Tão luz e tão carne...

Tão cedo, é tão tarde para dizê-lo, final...

Não quero parar, será que é tão impossível continuar?

Mais um pouco, sim, não me prive de você

Pois tenho fome, tenho vontade de comer

Come-la e à tua atenção, não, não, não...

Eu não sou normal

E nem tento parecer louco.

Não quero parar, será que é tão difícil continuar?

Vocês não sabem o quanto é prazeroso abusar?

Aliás, nem o que é prazeroso sabem vocês

Vocês não sabem de nada, pois nem nada são...

São pronome plural – terceira pessoa

Descarados, inoportunos, inócuos, afinal.

Não quero parar, será que é tão difícil continuar?

Ah... como estou afim

A fumaça que entra o peito e afaga e afaga é tão cheia de graça...

Graciosa como você que me chega como abstrata

Me come e me é comida, é aposta, é transformada

É natural, é internacional, é acatada.

Não quero parar, será que é tão difícil continuar?

A noite não termina nunca, pessoa...

É só a gente ficar se desbravando, assim, à toa

Não me interessa o que você será amanhã

Nem sua cara diante de mim, envergonhada:

Pois já amei e não a amo.

Não quero parar, será que é tão difícil continuar?

Nunca mais tentarei agradar você para obtê-la...

Apenas o farei para obter-lhe o que quero naquele presente xis

E a minha satisfação é negócio de troca entre a gente;

Mágoas, ciúmes, costumes, apegações? Bola pra frente!

Se duvidar... Denuncio-a! frequentemente mente.

Não quero parar, será que é tão difícil continuar?

Não sou defectível ou por sê-lo quase perfeito eu sou

O ciúme, da minha alma cartesiana, você acha, se apossou?

Não. Se manifestou por razão da sua ausência...

Da sua irregularidade... Da qual meu peito foi vítima e é...

Suo, esbravejo e externo o quanto sofro com sua falta...

Não quero parar, será que é tão difícil continuar?

Me deixe usar pronome obliquo no início de frase

E, também, tautologias idiotas quando me convir

O poema nem meu é, mas, porra, eu o produzi...

O libertei como com você fiz...

Dei-lhe asas, ainda que, em cárcere, tenha sido feliz

(mas não você o era de verdade...)

Não quero continuar a padecer tão lentamente

Tão tácita é a morte que me espera!

A fundo, profundo, levemente me desespera...

Que sobre mim abata de vez minha tristeza...

Eu que nos poemas eu exorcize esta desgraça.

Não quero continuar a padecer tão lentamente.

Não quero parar, será que é tão difícil continuar?

Não quero parar, me faz bem, me faz bem...

Nem quero copiar e colar

Nem reescrever, recopilar.

De mim sai automaticamente a abstração à abstração

Eu vomito! e escarlate mostra-se meu sangue ao chão.