Passageira das Sombras
Por muito tempo vivi contemplando cenários improváveis, sonhando e evocando o cheiro dos trigais do amor... Escrevi cartas e transbordei a alma em poemas por longa e distante data. Décadas se passaram e hoje tenho a impressão de que falei sem ser compreendida. Falo por uma língua estranha? Sou um erro na curva da vida? Devo entregar-me à inutilidade das esquinas para viver o que tanto anseia a alma e o coração? Deixar-me levar pelo vento e pelos mares como se não tivesse um destino à espera? De repente a vida, o mundo, tudo... o tempo, o espaço, o território... tornou-se subitamente estranho, vasto e vazio como se eu fosse um viajante por uma terra distante, uma folha rolando pelos degraus das escadas da vida até ser varrida pelos ventos das tempestades, até ser consumida pelos redemoinhos de dor... Impressiona-me que tanto tempo já se passou e eu devia sorrir mais, devia viver mais, devia alegrar-me mais, no entanto choro mais, me calo mais, me afasto mais (sou afastada, empurrada, obrigatoriamente para longe)... O mundo se fez cinza e não há sol que eu possa trazer para o iluminar. Afundo no lodo da desesperança, com minha âncora de calar a voz do coração.