sacrifício
tenho uma faca
afiada e sempre presente
companhia inseparável
sempre de prontidão
para me ajudar com as palavras
que deixo em cada texto
para me ajudar a cortar
de minha própria pele
letras que aqui registro
rasgar pedaços
que de boa vontade
preservo nestes espaços em branco
uma faca, uma pena, um carvão
que com infinita misericórdia
me oferecem uma opção para
escapar de minha
invisibilidade
não é triste
não é feliz
é inevitável
é a única forma de lembrar
a vida
de minha existência
a única forma de lembrar
meus ouvidos
de que possuo uma voz
lentamente vou perdendo
a ideia de minha identidade
muitas vezes pensei ter me livrado
desta faca
mas como uma maldição
ela me abençoa com seu retorno
sangue é o que derramo
para deixar algo de mim para trás
de minha alma é que me desfaço
para marcar nesta terra perdida
minha presença
sem minha destruição
pairo como sombra invisível
atravesso pessoas
como vento inconveniente
sem minha destruição
não posso ser quem sou
e se não posso ser quem sou
posso apenas ser a memória
de alguém que nunca se lembrou
pessoas desejam minha faca
a admiram com inveja
como se fosse cravejada de diamantes
e banhada em ouro
mal sabem que é apenas uma miragem
do espírito
mal sabem que se a possuíssem
abraçariam o medo
da insanidade
mal sabem que se a possuíssem
saberiam que no horizonte
se ergue como gigante raivoso
a morte violenta
de todos aqueles que ousam
acreditar na ilusão
do talento