Ele se foi

O esquecimento é uma dádiva

Que farei uso no futuro

Mas estamos na hora das lágrimas

Respeitarei seu turno

Pois não me resta nada

Além de aceitar.

Eu estive lá em seu último suspiro,

E me pergunto se você entendia

Se sentia medo ou apreço

Ou só aproveitava os afagos constantes.

Se você sentia dor, e quanto o fazia;

Se as caminhadas perderam a graça

Ou se era fragilidade que te acometia;

Se você entendia o que significava o choro,

O porque ali estavam todos,

E o porque esse mesmo todo

Se punha a chorar.

Eu não sei se tenho culpa,

Mas me sinto culpado. Mesmo ao seu lado,

Mesmo com os afagos, com a benevolência,

Sinto-me terrível pela experiência

De mentir para alguém

Que sequer entenderia a verdade.

Minha tortura vai além do sentimento

Pois a excelência de pensar além do necessário

Me vem de nascença.

Não sabíamos que não voltaríamos juntos,

Que aquela foi a última vez que você passou pelo portão.

Que sua graça de carregar folhas na boca não se repetiria,

Que seus irmãos nunca mais te veriam,

E não me entendem agora

Quando minto para eles

Também.

Não sabíamos que aquele banho seria o último,

A última chance de te ver se esfregando nas paredes,

Chacoalhando o corpo todo, desajeitado,

Como o cachorro alegre e amável

Que você sempre foi.

Sinto muito.

João G F Cirilo
Enviado por João G F Cirilo em 02/10/2024
Código do texto: T8164664
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