Ele se foi
O esquecimento é uma dádiva
Que farei uso no futuro
Mas estamos na hora das lágrimas
Respeitarei seu turno
Pois não me resta nada
Além de aceitar.
Eu estive lá em seu último suspiro,
E me pergunto se você entendia
Se sentia medo ou apreço
Ou só aproveitava os afagos constantes.
Se você sentia dor, e quanto o fazia;
Se as caminhadas perderam a graça
Ou se era fragilidade que te acometia;
Se você entendia o que significava o choro,
O porque ali estavam todos,
E o porque esse mesmo todo
Se punha a chorar.
Eu não sei se tenho culpa,
Mas me sinto culpado. Mesmo ao seu lado,
Mesmo com os afagos, com a benevolência,
Sinto-me terrível pela experiência
De mentir para alguém
Que sequer entenderia a verdade.
Minha tortura vai além do sentimento
Pois a excelência de pensar além do necessário
Me vem de nascença.
Não sabíamos que não voltaríamos juntos,
Que aquela foi a última vez que você passou pelo portão.
Que sua graça de carregar folhas na boca não se repetiria,
Que seus irmãos nunca mais te veriam,
E não me entendem agora
Quando minto para eles
Também.
Não sabíamos que aquele banho seria o último,
A última chance de te ver se esfregando nas paredes,
Chacoalhando o corpo todo, desajeitado,
Como o cachorro alegre e amável
Que você sempre foi.
Sinto muito.