Ponderação sobre o pós vida e outras opções menos penosas
Fiéis discutem sobre o pós vida como se o dominassem,
Como se tivessem experimentado.
Criaturas aladas protetoras do céu,
Anjos caídos que renegaram teu papel
Graças e castigos, aos aliados e aos desconhecidos
Gritos que escalonam exponencialmente,
Com a crescente vontade de estar correto.
Passo longe dos dois cenários
Pois no fundo, acho-os inválidos
E na superfície, também.
Gosto de crer no nada. No vazio.
Gosto de crer que em minha morte
Levarei todos os meus aspectos comigo
E mergulharemos rumo ao desconhecido
Sem nem saber que estamos o fazendo.
Gosto da isenção dos sentidos, do desapego material
Seja com as aquisições ao longo da vida,
Seja com a sensação de tocar a pele com os objetos adquiridos;
Ou de senti-la contra ela mesma
Ao levar a mão à face
E ponderar sobre tudo isso.
Mas nos últimos tempos,
Que já somam entre si mais tempo do que consigo contar,
Nasce em mim um desejo específico, quase único
Quase inexplicável,
De ver um resumo de todas as coisas,
Das grandiosas às supérfluas
Das inesquecíveis e das descartáveis
Assuntos importantes, inevitáveis,
Outros tantos tolos, de breve passagem,
Que na ocorrência não serviriam de nada
E hoje me confortariam.
Gostaria de ver o resultado das renúncias,
Dos caminhos não tomados;
Gostaria de ver outros discursos escritos,
Outros que nunca foram falados.
Queria entender onde errei, e o que poderia fazer
Se pudesse voltar atrás para consertá-los.
Gostaria de saber se fui o prego, o martelo
Ou a mão que está a manuseá-lo.
Entender se vim do fim e já sabia de tudo,
Ou se estive lá desde o principio do infortúnio,
Se errei por inocência ou por egoísmo,
Entender quais foram os cenários
Que fizeram isso comigo.
Mas, acima de tudo, ver onde acertei
Quão boas foram as coisas escritas,
Quantas coisas realmente úteis foram ditas,
Quais atitudes todos tomariam
E quais delas eu tomei sozinho.
Qual cor me tornava mais aceitável,
Qual o corte de cabelo menos deplorável,
E qual o novo adjetivo que me serviria?
Quais foram as coisas que só eu fiz, se é que existem;
Quantas coisas pensei que criei,
Mas o verdadeiro criador eu não conhecia?
Outras coisas supérfluas, mas que não descobri em vida
Sou alérgico a ferrão de abelha?
Foi eu quem montou errado aquela cadeira?
Da onde vieram estas feridas?
A chiadeira dos meus ossos era um aviso,
Um desafio ou uma ameaça?
Quantas vezes me senti caçador,
Mas fui somente a caça?
Quantas vezes me enraiveci,
Quando a situação pedia graça?
Delirar incessantemente nestas pequenas coisas,
Nos mistérios da existência,
O que se tornou cada ''não'', o que resultou cada ''sim''
Um paraíso perfeito:
Atendendo ao desejo,
Na mesma toada em que castiga.
Pois mesmo sem saber,
Estou ciente de que
Não estou preparado para ver
O que eu mesmo tenho à me mostrar.
Talvez céus e infernos sejam mais fáceis de digerir
E muito menos penosos de aceitar.