Às vezes

Às vezes dói.

Como um corte fino e fundo feito com uma folha de papel após percorrer um livro antigo que contava sobre o passado.

Ou como um respingo de óleo amarelo depois de saltar da frigideira quente enquanto frito bolinhos de chuva assim como ela fazia quando eu era pequeno.

Ou como morder a língua após comer mais rápido do que deveria, pois a vontade de saborear a comida é maior que a preocupação de se morder. Até porque há a dúvida se haverá outra chance de tomar o gosto de algo feito por aquelas mãos.

Às vezes pesa.

Pesa tanto que lateja as costas e deixa marcas nos ombros por mais que ajeite as alças ou endireite a postura.

Às vezes magoa e tormenta.

E nesse não há palavras em meu vocabulário para desenvolver, pois aqui ainda sinto. As marcas cravadas em pedras não somem com simples chuvas ou com o passar do lento tempo.

Às vezes não vejo mais saída para o pesar que criei quando estava cega de angústia.

Palavras distorcem meus sentimentos e, não que seja um subterfúgio, mas por mais que em algum instante o tempo haveria de ser outro tempo não foi assim que enxerguei por muito tempo. Queria poder retroceder o tempo e dar tempo ao tempo, num tempo onde o tempo foi pequeno demais para tanta tempestade.