Relógios Anacronicos
Pai, deixa eu deitar-me ao seu lado?
Envelhecer é tão estranho, doloroso
E solitário.
Deixa eu dormir com a cabeça no seu peito
Não me deixe só
Eu que já fui sua filha e sua irmã
Hoje sinto-me sua avó.
Respirar é tão difícil
E a carne vai me fugindo dos ossos
Durmo e sonho com os brinquedos nossos
Brinquedos de cheiros, texturas e cores
Presentes de amor e novos sabores
E a vida foi passando tranquila
Pois sempre sabia que você voltaria
Mas agora, pai, minha visão está enevoada
Deixe-me ficar aqui, e não fazer nada
Pai! Desculpe-me desta tosse que não passa
Xaropes e roupas, sei que você se importa
Só lhe peço, pai, não feches a porta
Eu que era caçadora, hoje sinto-me caça
A mão tua; meu abrigo carinho e alimento
Meus braços e pernas estão dormentes
Pai, já perdi uma dúzia de dentes!
Mas ainda sorrio quando recebo teu alento
Bonecas, sorvete e bolinhas de sabão
Eu te amo assim mesmo, entre o esquecimento e a distração
Sinto que, em breve, eu ganharei tua oração...
Eu prometo, tudo bem vai ficar
Pai, por favor, não chora
Toda a dor cessa e prometo, não demora
Em teus sonhos volto a lhe beijar.