Último suspiro
Amamos a ideia,
O espelho dos sonhos,
A idealização da verdade,
A ilusão sem correspondente,
A mentira distante da verdade,
Amamos o que não podemos ter,
O inexistente na vida real,
O inconsistente nas mãos,
O intangível por entre os dedos,
A ficção dos romances açucarados,
Amamos a melodia sem letra,
A luz sem o candeeiro,
A lua sem a noite escura,
O cenário sem os atores,
A partitura sem as notas,
Amamos o fantasma que criamos,
A narrativa sem escopo fundante,
A bruma sem a forma consolidada,
O Corvo fora do conto de terror,
A violência contra nós mesmos,
De amar sem amar, de não amar o amor,
De desejar o desamor por teimosia,
De fingir que é amor o que sentimos,
Mesmo sabendo que o amor se perdeu,
Que o amor na fogueira ardeu,
E o que sobrou é só um arremedo,
Um rascunho malfeito de dor,
Preso que está entre cinismo e medo,
Oh, nunca amou, nunca se amou,
Oh, nunca me amou, nunca teve amor,
Só se senta na varanda esperando,
Fantasiando esse personagem de livros,
Esse ser invisível de delírios não vividos,
O amor que é apenas palavra sem fulgor,
O amor que se esvai no não saber,
Essa palavra cheia de vãos e senões,
Enterrada onde jaz o último suspiro...