Maria Furta-Cores

Maria detestava dividir o quarto com outras pessoas

Pois seu descanso passava longe de ser absoluto.

Todos eles brilhavam, o tempo todo

Menos Maria, que havia nascido em total escuro.

Maria, diferente de todas as outras pessoas

De todos os outros lugares

De toda e qualquer espécie,

Não produzia sua própria luz.

Mas vinha equipada com uma incrível capacidade

De absorver a luz dos outros

E tomar como se fosse sua

E, naquele momento, brilhava como nunca.

A questão é que

Maria

Esqueceu-se como tornar esta habilidade prazerosa.

Primeiro pela falta de controle,

Já que não era sua decisão fazê-lo.

Segundo por se sentir uma atração,

Quando as crianças inocentes e os adultos sem noção

Apontavam à ela como se fosse um animal.

E, terceiro, por algo que nunca ousou dizer em voz alta

Mas, particularmente, sempre preferiu a escuridão.

Gostava de quando estava sozinha e não via nada,

Quando os olhos descansavam mergulhados na imensidão.

Quando sentia-se alheia ao mundo, por um segundo

Experimentando o doce sabor da solidão.

Ou como as sombras se tornavam dóceis

Tornando-se o mundo;

E não mais a seguiam em toda e qualquer direção.

Alguém passava para lhe dar bom dia

E sentia as próprias retinas se dissolvendo com o clarão.

Se aventurava pela rua, sentia o sol derreter sua pele

E se esquivava agressivamente dos que questionavam sua condição.

Um dia, Maria não saiu do seu quarto

E trancou a porta para evitar qualquer perturbação.

E lá ficou, por horas, dias, semanas

Marinando na própria vastidão;

Vasculhando o infinito desconhecido,

Mergulhada em escuridão.

De lá, Maria nunca mais saiu

E portanto, não pôde assistir

Toda a luz do mundo, das pessoas

Dos postes, das lanternas

Lentamente se esvaindo

Em direção a porta de seu quarto,

Chocando-se na madeira e dispersando;

Sumindo.

Maria Furta-Cores, como agora era chamada

Nunca mais foi vista; sua intenção desde o começo.

As repetidas batidas na porta do seu quarto não resultavam em resposta,

E depois de certo tempo, arrombaram a porta a força,

Onde duas pessoas morreram

Após minutos de gritos que lentamente se distanciavam

Na medida em que mergulhavam no abismo.

Alguns a culpam por tudo, outros a veneram

Clamando com veemência por absolvição

Quando passa um vaga-lume

Ou no breve clarear de um trovão.

João G F Cirilo
Enviado por João G F Cirilo em 25/01/2024
Reeditado em 26/01/2024
Código do texto: T7984219
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2024. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.