Cinzas
Faz frio aqui...
Mas quanto sol, meu Deus!
Calor
embebido
diabolicamente
no furor
dos beijos
que a morte
distribui
entre transeuntes e memoriais.
Faz frio aqui...
Mas quanto fogo, meu Deus!
Bandeiras que tremulam
agarradas às mãos trêmulas
de cada filhinho à procura do lar,
de cada imigrante à procura de mar,
pais despedaçados como alvo na mira
de quem vive para despedaçar vidas.
Faz frio aqui...
Mas quanto cobertor, Senhor!
São estatísticas encarnadas
ou carne exportada em forma de gente?!
São enfeites lúgubres ou ensaio de caos?!
Enquanto expostos,
enquanto irmãos,
conquanto que não sejam empecilhos
ao progresso do tal mundo civilizado...
Mortificado!
Fé que duvida, mas permanece.
Grito contido, mas permanece.
Funeral de sonhos onde cada flor pisoteada
nunca se esquece...
Já não suporto, meu Pai:
A dor me prostra por sobre minha face,
enquanto contemplo os retratos do
que seriam faces alheias,
e à procura de algum sussurro,
ar que me sirva para respirar,
olho mais,
choro mais,
resto, apenas...
Cinzas