A Ovelha e o Besouro
(Poema à Mãe)
Como vai, desconhecida?
Todo o dia a mesma vida
Vestindo a mesma roupa batida
Para entrar no mesmo beco sem saída
Como vai, vizinha?
Sempre dando o melhor de si
Em meio à tanta erva-daninha
Determinação igual, jamais vi
Aonde vai com tanta pressa?
Sempre correndo contra o tempo
E a velocidade do seu pensamento
Para servir a quem não te presa
Por que seu corpo dói, afinal?
Que fardo pode ser mais pesado,
Do que o destino sacramentado
Ditado por um ciclo fatal?
Sou apenas um pequeno besouro
Fraca, sob minha carapaça
Com um peso oculto sobre sua carcaça
Exibindo o sorriso no lugar do choro
Eu me sinto tão culpada,
Mas sou tão pequena,
Que me vejo de mãos atadas
Pela realidade que triunfa plena
Quisera eu poder deixar de existir
Se isso fizesse seu sofrimento sumir
Queria poder ser mais na sua vida
Do que uma crônica ferida
Meus pensamentos se esvaem
E minhas atitudes me traem
Por isso, não hesito em me calar
Diante do que não posso mudar
Ambas permanecemos conformadas
Ambas seguimos com nossas bocas caladas
Você, com seu pesar que parece eterno
E eu com mais uma dívida no inferno
Mas, de mim, já era de se esperar,
Ervas-daninhas nunca param de brotar
Seja para crescerem do lado errado
E florescerem regadas pelo pecado
Mas e você, ovelha branca,
Por que sorve dessa maldição?
Por onde o seu pastor anda,
Que não dissipa essa escuridão?
Saia já do vale da sombra da morte
Os anjos já sabem que você é forte
Não tente aquecer essa frígida irmã
Gastando, em vão, a sua preciosa lã
Vagar pelo mundo sem amor
Não é culpa de ninguém
É o destino do qual sou refém
O único horizonte ao meu dispor
Estou sempre por perto,
Pousada sobre o seu ombro
Mesmo que eu não passe de um inseto
Aos olhos de quem tanto assombro
Sou a observadora oculta,
A secreta companheira
Para além da chuva passageira
Que ninguém cala ou sepulta
Sou o pior pesadelo,
Atento, vendo-te dormir
Alisando seu cabelo
Antes que eu deva sumir
Não quero mais ser inimiga,
Por isso, prefiro a ausência
Derramando, a dor que me fustiga
Em paz com a minha consciência
Desejava ser ainda mais pequena
A ponto de não ser mais lembrada
Assim, o rancor não nos envenena
E seu desprezo não me deixa quebrada
Tudo o que sinto,
Tudo o que teria a dizer,
Fico sem ter o que fazer
Para você, eu sempre minto
Resta-me apenas olhar para você
Já que não posso lhe dirigir a palavra
Da sua mágoa, serei eterna escrava
Mesmo a seu lado, você nunca me vê
Resta-me a tristeza antes de dormir
Por aquilo que nunca será falado
Feito um poema inacabado
E assim será, até uma de nós partir