Cavouco
Escrevendo mais um texto para você, pois tu, meu objeto, vai além do desejo e se transforma em frases, sintagmas, discurso, textos, prosas, rimas, poesia. É a tinta da caneta que explode e tudo mela, tudo pinta permanentemente. É você, tinta de caneta na minha mente.
Uma lâmpada em sua inevitável morte, riscando luz e voltando para o profundo. Funciona, não funciona. Ficando lá no alto, sem incandescência, a fumaça mal impregnando. Não consegue nem se iluminar por dentro, nem chega ao bumbum. As pessoas ligam e semicerram os olhos, é tão amarela, fraca e velha. Um sufoco ambiente; ninguém quer pegar a escada, vai ficar a lâmpada lá, funcionando quando quer. Aceitar sua morte, era me matar. Não deixar de aproveitar a sua vi(n)da, me mataria. E o que o amor escolhe, então? Se os vazios se complementam e faz um buraco de ar no meio da terra ainda mais fundo, ainda mais denso, ainda mais inexplicável. Seus pés como moinho.
E se tu cavaste em meu terreno buraco tão profundo, como tua ausência se fazendo presente todos os dias, se transformando num oco que deu vida a cupins de areia e eles foram fazendo os grãos desabarem. Eu indo para o meio do campo, e você, dominador de terra, cavando e cavando ao meu redor. Eu como uma estátua em cima do rochedo, olhando o penhasco que se formava. Esperando o momento, o momento do declive maior para nadar no ar e me fazer inteiramente espírito.
Os planetas não me atraem; somente essa estrela que queima em brasa e vai se consumindo, consumindo, consu min do. Boom e poeira. Não há ninguém, não há mais ninguém. Ai de nós, que o tempo existe e os dias passam. Amanheceu. Ficou amanhecendo demais e a lâmpada apagou, o dia não a necessitava.
E a névoa fica entrando em mim e saindo, queimando e diminuindo. Meus olhos aguam de saudade, enchente nas correntes, o rio não para de passar e eu evoco todos os elementos para que você retorne, seja num furacão, numa forte ventania, num temporal que te traga na cascata ou que o fogo tome toda a cidade e só exista a minha casa para te abrigar, ou que o mundo fique congelado, e os meus braços o único calor possível. Vem, vem que eu deixo a lua toda vermelha, me rasgo em quatro parte e deixo você beber da fonte e dos meus pés, as gotas.
O acordo está selado, somente minha mão nos cristais. Você quer saber como é comigo, baby? Num aprochego de eclipse, tudo ficou breu. Tu e eu. É o momento da aliança, persiste e fica, fica para durar, para ficar duro, para durar só um pouco mais e eu aceito a rigidez.