POEMA AOS OLHOS DE LÚCIFER
Não tenho suportado oferecer a outra face,
Sou casa ressentida e quero assim só ser;
Rente ao peito já não cumulo sonhos hipotéticos,
Não guardo nele paixões, nem enlevo a minha voz ante deleites;
Os meus olhos só enxergam a mim e ao Nada
E onde me pedem, arrefecidos, para olharem homens
Os meus olhos não enxergam corpos dançantes, cabeças latejantes, almas lancinantes ou afins.
Eles enxergam Sísifos.
Sim. Sísifos! A rolarem incessantemente a mesma pedra de seus dias,
Que também abrigaram o único Sísifo a declarar o Absurdo de sua condição de Sísifo;
Todos, sempre tão solícitos e crentes
Sempre tão sociáveis e úteis
A desconhecer o Não Essencial e Insensível caráter de suas pedras-vidas
A redemoinharem na roda-viva do suor causa-e-efeito,
Que baliza tudo o que É, e a mim, que não sou;
Eu, que não suporto línguas, porque falam
Que não suporto mãos, porque tocam
Que não admito corações, porque sangram.
Eu, que tenho sido impaciente com sociabilidades
E que já não abomino a reclusão dos meus dias e as feridas do consolo
Eu, que não desejo pertencer a humanismos, comunismos e outras corporações;
Quero que os meus pés estalem galhos secos,
Suas plantas hão de produzir o estribilho crepitante de folhas há muito caídas;
Afora isso, o silêncio.
E meus lábios beijarão o doce e lindo orvalho das ordálias
E hei de sorver sua seiva sagrada
E hei de deitar a vida e a relva.