POEMA AOS OLHOS DE LÚCIFER

Não tenho suportado oferecer a outra face,

Sou casa ressentida e quero assim só ser;

Rente ao peito já não cumulo sonhos hipotéticos,

Não guardo nele paixões, nem enlevo a minha voz ante deleites;

Os meus olhos só enxergam a mim e ao Nada

E onde me pedem, arrefecidos, para olharem homens

Os meus olhos não enxergam corpos dançantes, cabeças latejantes, almas lancinantes ou afins.

Eles enxergam Sísifos.

Sim. Sísifos! A rolarem incessantemente a mesma pedra de seus dias,

Que também abrigaram o único Sísifo a declarar o Absurdo de sua condição de Sísifo;

Todos, sempre tão solícitos e crentes

Sempre tão sociáveis e úteis

A desconhecer o Não Essencial e Insensível caráter de suas pedras-vidas

A redemoinharem na roda-viva do suor causa-e-efeito,

Que baliza tudo o que É, e a mim, que não sou;

Eu, que não suporto línguas, porque falam

Que não suporto mãos, porque tocam

Que não admito corações, porque sangram.

Eu, que tenho sido impaciente com sociabilidades

E que já não abomino a reclusão dos meus dias e as feridas do consolo

Eu, que não desejo pertencer a humanismos, comunismos e outras corporações;

Quero que os meus pés estalem galhos secos,

Suas plantas hão de produzir o estribilho crepitante de folhas há muito caídas;

Afora isso, o silêncio.

E meus lábios beijarão o doce e lindo orvalho das ordálias

E hei de sorver sua seiva sagrada

E hei de deitar a vida e a relva.

Mara Raysa
Enviado por Mara Raysa em 16/03/2023
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