tanto e tão pouco
você viu os cinzeiros cheios
você viu as garrafas vazias
você viu a música na garganta da noite
você sentiu o calor subir dos pés e repousar
na nuca
até se tremer com o sopro da Morte
você emprestou seus olhos para os gatos
saírem da chuva
você leu os livros abertos em quartos suados
você queimou as dores do abandono materno
você bebeu a última água do próprio deserto
você teve cãibras por andar demais e também
por estar parado demais
você percorreu a distância que te separa
de quem você realmente é
daquele de quem você esconde
daquele de quem você luta para não deixar
falar as palavras mais envergonhadas
daquele de quem você luta para não deixar
fazer as coisas mais envergonhadas
e você chora
e você chora
e você chora
e você chora lavando a louça
e você chora tomando banho
e você chora atravessando a rua
e você chora calçando o tênis
e você chora na fila do mercado
e você chora aos passos rápidos de um sono
acordado para o chão do quarto
e você chora
ao fim do dia
porque nada mais restou.