Retirantes 1944
Uma realidade palpavel, invisível
vindos de longe, sem destino, indo para longe
fugindo do nada, indo pra lugar nenhum.
São os retirantes, são quase pessoas, são quase humanos, são o símbolo da miserabilidade do existencialismo humano, sobreviventes dos rincões onde não existe esperança, sem nada pra fazer, nada pra dizer, nada pra comer,
sem manhãs, tardes e noites, sem dias, sem semanas, sem meses e sem anos a serem lembrados, sem tempo, sem aniversário, alguns sem certidão de nascimento, jogados pra fora no meio do nada, aparado em rudilha de xita, sem calendário pendurado no projeto de parede,
sem futuro, sem presente, sem passado
a única cor a atravessar a iris ocular, é o cinza produzido por pequenas, raquisticas e solitárias arvores já mortas, que teimas em permanecerem de pé, buscando algum alimento nas profundezas do solo arido e seco,
sem quadro familiar pendurado nas paredes inacabadas,
sem paredes.
sem camas nos quartos, sem quartos.
sem fogão de lenha, sem lenha, sem fogo e fumaça para cozinhar um mísero ovo podre,
sem cozinha.
sem teto para proteger do sol escaldante, sem sombra de si mesmo, sem sobra dos filhos esqueléticos, da esposa em alta decomposição corporal, sem sorrisos entre si.
sem chuva, nevoas, corrego de água, sem copo nem muringa.
sem mandacarus, simbolo de resistência, escudo de ilusão, envergado em si mesmo, sucumbindo ao calor insuportável, derramando seus finos e longos espinhos pelo solo morto, ferindo a si mesmo num canibalismo individual.
São eles; Os retirantes, invisiveis diante da sociedade, mortos na própria existencia, sem nomes e sobrenomes, sem alma, sem requistico de mea-cupa, olhos sem lagrimas, profundos, sem beleza a contemplar, sem dentes para mastigas a ilusão do tempo presente, sem vestimentos a cobrir a pele ressecada, retalhada; mãos colejadas, sem calçados para trilhar as veredas do sertão, sem rastros deixados nas passadas de cada membro dolorido, sem registro, sem mapa, sem patentes para matar a saudade, nao existe saudade a ocupar seu coração dilacerado pela dor da própria existência,
Imagem que reflete tristeza, profunda tristeza na alma.
A isso, alguns identificam como sofrimento alheio.