Terra desgraçada e estranha
(I)
Quando é muito novel, o piorno
Tem penugem longa e prateada
E é feliz, formosa e animada,
Mas quando velho, tal adorno
Some, e a flor vai triste e encurtada,
Em semelhança vou, Deus meu,
Em tristura e à guisa do Orfeu,
P'ra terra longe e desgraçada.
(II)
Pois vou infeliz, em transtorno,
P'ra terra vã e mal povoada,
Ao norte deixo minha amada,
Meu amigos e o bom entorno
Das áreas belas e esverdeadas;
Ai, bom Senhor, o que fiz eu
P'ra andar como Tristão morreu?
Longe de mim, morte amargada!
(III)
Viver aborrecido e morno,
Sem o calor de minha amada,
Deus, é coisa mal arrazoada!
Por partir p'ra longe do entorno,
A serpente dissimulada
Pode se gabar que venceu
O bem que virou e volveu
Mesmo mantendo a fé guardada.
(IV)
Ai, senhor Deus, que desadorno,
Terra odiosa, que aura gelada,
Gente herege e desigrejada!
Onde vão os sinos no entorno?
E a comunhão crepusculada?
Não vejo vestígio aqui, Deus,
Dos prazeres iguais aos meus,
Mas vileza a noite à alvorada.
(V)
Que triste fato, que bochorno!
Mas Deus jamais fez coisa errada,
Pela Mãe pura e preservada
Terei galardão, meu estorno,
E verei a joia guardada,
Mas até lá serão vis breus
Os dias e os pesares meus,
Bem mais que outra gente danada.
(Tornada)
Não sei se vereis meu retorno,
Adeus, Lua bela e esmerada,
Guarde-vos Maria mais honrada,
Que não sei se farei retorno.