Ordenanças das Pedras
A terra onde nasci não tem mais,
assentaram nela tanta coisa esgotada,
que ela foi sumindo, entrando num
buraco escuro, onde até as flores
se refugiaram em outras terras
empanadas.
Minha terra não tem mais:
foi pedra em cima de pedra,
e, dai, nasceram prédios e mais prédios,
- edifícios cintilados de solidão -
que foram, pouco a pouco, tomados
por gente de terno passado,
e mulher com roupa de homem,
todos falando em celulares,
- namoros dedilhados -
e roda daqui, roda dali,
os problemas aumentando,
a terra foi crescendo
e minha memória foi morrendo.
Mas não foi aqui que eu
sentava quando aprendi a beijar aos
quinze anos?
Namorava na terra ?
No apogeu da terra dourada, batida,
crescida de esperança?
E minha senhora de amor
se vestia de alegria
pros meus olhos
coroados de cor.
Minhas ruas foram trocadas
de charretes e carros de bois
por vistosos carros - destes
que a gente vê nas revistas
avançadas...
Terra de Sienas !
E até a cor da cidade não se dá
bem com a cor do céu: amarelo e
vermelho, tudo frouxo.
Ah! Terra Esgotada!
Fui também outro dia,
na antiga casa dela.
Era pequena e tinha um
riacho a percorrê-la,
um jardim a moldá-la,
tinha cheiro de mulher,
cheiro de espíritos eternos !.
Fui na casa dela...
não chorei, porque a idade
já me calejou contra o
escândalo interior: nossas
loucuras de amor !
Mas lá estava:
a casa dela,
onde a gente repartia
o dom da mocidade
entre beijos e abraços,
e agora,
tudo virado, tudo pedra,
também saturada.
Não tinha mais nada:
Literalmente, eram centenas
de pedras magoadas dispersas,
no jardim e arrolhado de
vazio e o
o percurso do já minguado
riacho, solaram de vez
com cimento aguado.
Terra dos Azáfamas!
Até o rei Dogmar varre
minha Etiópia!
E de minha terra
mais nada sobrou:
agora é pedra e mais pedra.
E nosso amor vigilante,
se tornou morte,
ela partiu pra lá,
eu fiquei cá e só, e
pensando:
pedra que faz pedra
torna o coração dos
homens parentes
da deusa Fedra.
E de lá me disseram:
nada, mais nada,
não mata um amor.
Pedras! Fizeram da terra
aquecida, agora fria e
crescida.
Tão crescida como um desastre
interior!
E se não lhe dão nome, dou um:
cedras vistas de longe são...
Ordenança das Pedras!
( Ordenança das Pedras - Palavras ao vento dedicadas a tantas outras cidades deste Brasil, que da noite para o dia se tornaram centrais de cimento e crematório de sonhos ).