Estrada Para Mim

Na noite morta, me desfiz em pranto poético

das lágrimas formaram-se as letras, apinhadas a riscarem a alva página num Canto de Glória dos eternos solitários

chorar era o único verbo presente na madrugada

Decantei-me de mim numa expressa poesia, olhei para as estrelas aglomeradas a me fitarem

pensei com pesar na minha dor e lembrei que as mesmas iluminavam as noites de quem estava a dormir ao relento das calçadas

Lamentei meu nefasto egoísmo humano, mas o mundo não me interessava, eu também era miserável

enquanto meu corpo repousava numa cama limpa de cetim, minha mente encontrava-se vagando numa rua suja à beira do esgoto

Nessa insistência da saudade, percebi já ter esquecido minha voz, cheiro e imagem

e vivia desde a infância ansiando minha volta, pois sabia que havia deixando-me, como um cão rejeitado, em alguma rua desconhecida do mundo

E então, certo dia, por acaso, parafraseando Newton Braga, nós nos veremos de novo, eu e eu mesmo, frente a frente, na estrada de um verso vão,

perdido nas páginas amareladas do caderno de algum poeta desconhecido.