fotografia

(poesia para estudo de fenômeno)

é fotografia o amor?

é cristal de lembrança,

déjà-vu,

mural empoeirado,

realidade digitalizada

pra virar mentira?

pra virar ficção

pra virar fração imprecisa

de verdade preciosa:

é assim que funciona?

como é o mecanismo?

é fazer o amor e fotografá-lo?

pra depois guardá-lo em caixa eletrônica?

o hoje é menos importante que a lembrança?

o amanhã é menos importante que a lembrança?

o que importa é a prata da foto,

pois incerto é o ouro da multiplicação...

não é isso, criança?

não é assim que se dança?

não é nesse ritmo que você quer dançar?

já não importa nossos corpos em ação

importam as ações práticas

as práticas que nos forjem

em alguém que não somos ainda

mas que pleiteamos ser

os diplomas que nos cobram da vida

e a vida nos cobra muita coisa que não podemos pagar...

a gratidão aos que nos lambem nossas feridas

aos que amarram e nos poupam

nossos braços e pernas apáticas:

e que nos amem! amem e protejam!

quanto aos que desejamos amar? amém!

até quem sabe!

pois amor é fotografia

paixão é nevralgia

paixão que se potencializa em amor

é algo tempestuoso e impreciso

e isso se evita

como se evita gozar

pois gozar dá choque

dá câimbra

choca os que não querem o gozo

e também aos que querem

mas têm medo da possível variação de voltagem

sentimento novo se engessa

amarra-se com corrente em cofre

engarrafa-se e se joga no porão

e só se abre a garrafa nos dias urgentes

mas só um gole: sentimento novo embriaga fácil

e não podemos importunar os sóbrios com nossa euforia

não é essa a coisa certa?

esquadro e compasso não mãos

pois a vida tem que ser geometricamente planejada

viagens são sonhos

novos amores são sonhos

poesia é sonho

música é sonho

atravessar parede é sonho

o amor deve ser fotografia: congelado

eternizado em papel para não aborrecer

o amor não pode ser cinema:

cinema se mexe muito

e dá muito trabalho

contudo,

homem de arte e de dança burra,

preguiçoso e medroso que sou,

respeito os que temem a vertigem do cinema

e os medrosos de todo tipo

e posso fazer o meu possível

para amá-los

da forma que eles preferirem

e agora vem o outro

a interferir com sua bondade suja

de conselhos, elogios e agradecimentos dissimulados

a flertar com tua insegurança

a dizer-te os defeitos que procura nos alheios

a puxar nosso tapete de relva viva

trazendo morte travestida de compreensão

e, me pergunto: porque procuras ainda suas letras?

porque insiste em dar a ele

tua nervosa e aflita atenção?

porque investiga o seu caderno?

porque ele te desestabiliza?

porque te imobiliza?

porque ele tanto parece com um freio?

este outro é, em verdade, um feio

um feio freio de mão

o que você acha, deus medo?

não estou nas tuas mãos,

à mercê dos teus confusos desejos,

meu amigo medo,

mas admito e posso amar seus ascetas

pois ser total é compreender

e desejo ser total

com toda a paciência e a fúria do ser

e a loucura verdadeira daqueles beijos

fotografia rasga

desejo fica

permanece imortal

guardado no sonho.

Luciano Fortunato
Enviado por Luciano Fortunato em 13/11/2007
Código do texto: T735186