Chocolate pra dois
Naquela noite fria,
Tudo me incomodava,
Eu sorria,
Mas não acordava.
Poderia estar sonhando,
Ou sonhando acordado,
O luto, ia passando,
Eu estava alucinado.
Na noite fria,
Estava de roupas curtas,
Eu sofria,
Minha visão fazia curvas.
O vento contra as costas,
Suando friamente,
Minhas esperanças mortas,
Focava em minha mente.
Levantei-me, imprudente,
A memória muscular agia,
Perdi as forças rapidamente,
Respirando fadiga.
Onde minhas mãos estavam,
Que não segurei quando caiu,
As memórias me falhavam,
Não sei quando ruiu.
Roubei um carro naquela noite,
Por ouvir que andava na rua,
Foi-te, como um açoite,
Palavras que na estrada, não era tua.
O rádio tocando no carro,
Gritava mais alto que o som,
Quase na contramão esbarro,
Queria vermelho no para-brisas, da cor de seu batom.
Naquela noite bruta,
O policial meu parou e me reconheceu,
De forma abrupta,
Sabia quem eu era, não me prendeu.
Por pena, por dó,
Me deixou ir,
Do pó eu vim, e queria voltar do pó,
Pela primeira vez, viu que não estava a sorrir.
Poderia ter ido a Bocaiúva,
Ter dirigido a Coração de Jesus,
Mas não queria sentir a uva,
Voltei pra casa, me opus.
Acordei, encolhido no sofá,
Escovei os dentes, fui a cozinha,
A colher, me parecia uma pá,
Refém da casa sozinha.
Não era noite, nem manhã,
Na rotina matineira,
Sol negro em Canaã,
Fiz chocolate, mania corriqueira.
Enquanto esquentava,
Preparava as canecas,
Sozinho estava,
Mas nunca às pressas.
Coloquei no mármore redondo,
Redondamente equivocado,
Eu estava me opondo,
Um luto que tinha começado.
Cético, abstrato,
Sem corpo, não havia fato,
Não sentia tato,
Queimando os dedos no porcelanato.
Sua chave estava em casa,
A porta ninguém abrirá,
Também não estava na praça,
Ninguém me chamará.
O perfume, no travesseiro,
Roupas suas no meu armário,
Eu não fui seu cavaleiro,
Estava me fazendo de otário.
Alguns fios seus no ralo do banheiro,
Seus livros em minha estante,
Tudo dentro do costumeiro,
Estando inconstante.
Quando notei, quis vomitar,
Minha mente e corpo não perceberam,
Duas canecas no mármore a esfriar,
Que memórias permaneceram.
Chorei, pela realidade,
Minha vida a dois foi usurpada,
Atos falhos, crueldade,
Minha felicidade arrancada.
Alugarei um terno,
Não usarei o que no armário continha,
Assinarei um termo,
O terno está do lado do seu vestido de florzinha.
Não abrirei armários, tampouco gavetas,
Decidiram não te lembrar,
Terão memórias e virão facetas,
Ninguém foi te enterrar.
Fiz chocolate para dois,
Mas não estará aqui para beber,
Pois,
Sabia que estava morta,
Mas não vi você morrer.